13 abril 2018

Proclamação decadente

Medeiros e Albuquerque

A Olavo Bilac

(Carta escrita por um poeta
a 20 de Floreal,
sendo Verlaine profeta
e Mallarmé – deus real.)

Poetas,
      são tempos malditos
os tempos em que vivemos...
Em vez de estrofes, há gritos
de desalentos supremos.

Se algum d’entre vós, cantando
nos banquetes ergue a taça,
sente, convulsa, pesando
a mão fria da Desgraça!

O Sorriso é tredo aborto
de algum soluço contido,
à beira dos lábios morto,
pelo Escárnio repelido.

E o Pranto – se o Pranto ardente
banha uma face sombria –
vem do excesso do pungente
riso mordaz de Ironia.

Que resta? Todas as crenças...
todas as crenças morreram!
Ficaram sombras imensas,
onde lumes esplenderam...

Que resta? A Dúvida horrível
os sonhos todos crestou-nos...
A Natureza impassível
só conta invernos e outonos.

Se, pois, na Glória inda crerdes,
há de enganar-vos a Glória!
Murcham-se os louros mais verdes
na folhas éreas da História...

Os Poetas do Sentimento,
que pintam a sua idade,
vão morrer do Esquecimento
na profunda soledade.

E neste tempo em que o Homem
se altera e diferencia,
breves, os cantos se somem
na indiferença sombria.

Pode a Música somente
do Verso nas finas teias
conservar no tom fluente
tênue fantasma de ideias;

porque é preciso que todos
no vago dessa moldura
sintam os estos mais doudos
da emoção sincera e pura;

creiam achar no que apenas
é tom incerto e indeciso
dos seus sorrisos e penas
o anseio exato e preciso.

Que importa a Ideia, contanto
que vibre a Forma sonora,
se da Harmonia do canto
vaga alusão se evapora?

*

Poetas,
      eu sei que, sorrindo,
zombam de nós os descrentes.
– Deixai! Ao pé deste infindo
ruir de Ilusões ardentes,

nós, entre os cantos sagrados,
que só tu, Poesia! animas,
passaremos embuçados
em áureos ramos de rimas.

Fonte: Horta, A. B. 2007. Criadores de mantras. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1899.

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