30 julho 2017

Navio negreiro

Solano Trindade

Lá vem o navio negreiro
Lá vem ele sobre o mar
Lá vem o navio negreiro
Vamos minha gente olhar...

Lá vem o navio negreiro
Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro
Trazendo carga humana...

Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia...

Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência...

Fonte (estrofes 3 e 4): Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições. Poema publicado em 1961.

28 julho 2017

Coração dos Andes


Frederic Edwin Church (1826-1900). Heart of the Andes. 1859.

Fonte da foto: Wikipedia.

26 julho 2017

Mi delirio en el Chimborazo

Simón Bolívar

Yo venía envuelto en el manto de Iris, desde donde paga su tributo el caudaloso Orinoco al Dios de las aguas. Había visitado las encantadas fuentes amazónicas, y quise subir al atalaya del Universo. Busqué las huellas de La Condamine y de Humboldt; seguílas audaz, nada me detuvo; llegué a la región glacial, el éter sofocaba mi aliento. Ninguna planta humana había hollado la corona diamantina que pusieron las manos de la Eternidad sobre las sienes excelsas del dominador de los Andes. Yo me dije: este manto de Iris que me ha servido de estandarte, ha recorrido en mis manos sobre regiones infernales, ha surcado los ríos y los mares, ha subido sobre los hombros gigantescos de los Andes; la tierra se ha allanado a los pies de Colombia, y el tiempo no ha podido detener la marcha de la libertad. Belona ha sido humillada por el resplandor de Iris, ¿y no podré yo trepar sobre los cabellos canosos del gigante de la tierra?

¡Sí podré!

Y arrebatado por la violencia de un espíritu desconocido para mí, que me parecía divino, dejé atrás las huellas de Humboldt, empañando los cristales eternos que circuyen el Chimborazo. Llego como impulsado por el genio que me animaba, y desfallezco al tocar con mi cabeza la copa del firmamento: tenía a mis pies los umbrales del abismo.

Un delirio febril embarga mi mente; me siento como encendido por un fuego extraño y superior. Era el Dios de Colombia que me poseía.

De repente se me presenta el Tiempo bajo el semblante venerable de un viejo cargado con los despojos de las edades: ceñudo, inclinado, calvo, rizada la tez, una hoz en la mano...

“Yo soy el padre de los siglos, soy el arcano de la fama y del secreto, mi madre fue la Eternidad; los límites de mi imperio los señala el Infinito; no hay sepulcro para mí, porque soy más poderoso que la Muerte; miro lo pasado, miro lo futuro, y por mis manos pasa lo presente. ¿Por qué te envaneces, niño o viejo, hombre o héroe? ¿Crees que es algo tu Universo? ¿Que levantaros sobre un átomo de la creación, es elevaros? ¿Pensáis que los instantes que llamáis siglos pueden servir de medida a mis arcanos? ¿Imagináis que habéis visto la Santa Verdad? ¿Suponéis locamente que vuestras acciones tienen algún precio a mis ojos? Todo es menos que un punto a la presencia del Infinito que es mi hermano”.

Sobrecogido de un terror sagrado, “¿cómo, ¡oh Tiempo! – respondí – no ha de desvanecerse el mísero mortal que ha subido tan alto? He pasado a todos los hombres en fortuna, porque me he elevado sobre la cabeza de todos. Yo domino la tierra con mis plantas; llego al Eterno con mis manos; siento las prisiones infernales bullir bajo mis pasos; estoy mirando junto a mí rutilantes astros, los soles infinitos; mido sin asombro el espacio que encierra la materia, y en tu rostro leo la Historia de lo pasado y los pensamientos del Destino”.

“Observa – me dijo –, aprende, conserva en tu mente lo que has visto, dibuja a los ojos de tus semejantes el cuadro del Universo físico, del Universo moral; no escondas los secretos que el cielo te ha revelado: di la verdad a los hombres”. El fantasma desapareció.

Absorto, yerto, por decirlo así, quedé exánime largo tiempo, tendido sobre aquel inmenso diamante que me servía de lecho. En fin, la tremenda voz de Colombia me grita; resucito, me incorporo, abro con mis propias manos los pesados párpados: vuelvo a ser hombre, y escribo mi delirio.

Fonte (parágrafos 1-3): Wulf, A. 2016. A invenção da natureza: A vida e as descobertas de Alexander von Humboldt. SP, Crítica. Poema datado de 1822.

24 julho 2017

Cosmos

Walt Whitman

Que inclui a diversidade e é a natureza,
Que é a amplitude da Terra, e a aspereza e a sexualidade da Terra, e a grande caridade da Terra, e o equilíbrio também,
Que não enxergou através das janelas dos olhos sem que houvesse algum motivo, ou cujo cérebro não teve uma audiência com mensageiros sem que houvesse algum motivo,
Que contém os que creem e os que não creem, que é o mais majestoso amante,
Que mantém devidamente a sua proporção trina de realismo, espiritualismo, e do estético ou intelectual,
Que tendo considerado o corpo encontra todos os seus órgãos e vai em perfeitas condições,
Que a partir da teoria da Terra e da teoria do seu corpo compreende, por uma sutil analogia, todas as outras teorias,
A teoria de uma cidade, um poema, e das grandes políticas destes Estados;
Que [acredita não] apenas em nosso globo com seu sol e sua lua, mas também em outros globos com os seus sóis e suas luas,
Que, construindo a casa para si, não apenas por um dia, mas para todos os tempos, vê as raças, as eras, as datas, as gerações,
O passado, o futuro residindo nela, como também o espaço, inseparavelmente unidos.

Fonte: Whitman, W. 2006. Folhas de relva. SP, Martin Claret. Poema publicado em livro em 1860.

21 julho 2017

Flower in the crannied wall

Alfred Tennyson

Flower in the crannied wall,
I pluck you out of the crannies,
I hold you here, root and all, in my hand,
Little flower – but if I could understand
What you are, root and all, and all in all,
I should know what God and man is.

Fonte: Wallace, A. R. 2012 [1889]. Darwinismo. SP, Edusp. Poema publicado em livro em 1863.

19 julho 2017

Colonialismo, devastação, fome

Andrea Wulf

Mais tarde, em Cuba, [Alexander von] Humboldt reparou que em vastas porções da ilha a cobertura florestal tinha sido devastada para dar lugar a plantações de [cana-de-açúcar]. Para onde quer que fosse, Humboldt via a maneira como as lavouras produzidas não para subsistência do agricultor, mas destinadas a render lucro, tinham substituído os vegetais que fornecem nutrição. Cuba não produzia muita coisa além de açúcar, o que significava que, sem produtos importados de outras colônias, “a ilha morreria de fome”. Era a receita de dependência e injustiça. De maneira semelhante, os habitantes da região em torno de Cumaná [Venezuela] cultivavam tanto açúcar e índigo que eram obrigados a comprar do exterior comida que poderiam facilmente produzir por conta própria. A monocultura e o modelo de produção agrícola voltado à exportação e ao lucro não [criavam] uma sociedade feliz, disse Humboldt. Era necessário um sistema de agricultura de subsistência, baseado em culturas comestíveis para consumo próprio e variedade de alimentos como bananas, quinoa, milho e batatas.
[...]

Fonte: Wulf, A. 2016. A invenção da natureza: A vida e as descobertas de Alexander von Humboldt. SP, Crítica.

17 julho 2017

A entrega das chaves


Perugino [Pietro di Cristoforo Vannucci] (1448-1523). Consegna delle chiavi. 1481-2.

Fonte da foto: Wikipedia.

15 julho 2017

Mostras de afiliação infantil

J. W. Anderson

Existem amplas evidências de que o apego, determinado através da proximidade que o bebê mantém em relação à mãe, é forte “num período da vida em que a criança já é capaz de locomoção livre e independente, mas ainda não é capaz de defender-se numa emergência” (Bowlby, 1958).

Os critérios de apego num estudo desta natureza são os fatores que permitem identificar uma díade mãe-bebê em condições de campo.

Em alguns minutos de liberdade, uma criança dá mostras de sua afiliação:
(1) correndo frequentemente em direção [e para longe da] mãe;
(2) mantendo-se a uma distância tal que a mãe [possa] vê-la ou ouvi-la;
(3) parando [mais tempo] perto da mãe [do] que longe dela;
(4) olhando de relance para a mãe quando está longe dela; [deslocando-se,] orienta-se para dois objetos simultaneamente[, olhando] para trás, em direção à mãe, ao afastar-se dela, ou para alguma coisa à distância, ao aproximar-se dela;
(5) apresentando contatos físicos de curta duração, também observados em outros primatas superiores de idade comparável.

A presença de outras crianças brincando perto pode mudar o comportamento do bebê. Ele afasta-se mais da mãe do que o usual, quando se junta a dois ou três bebês, e pode tornar-se necessário que a mãe vá buscá-lo.
[...]

Fonte: Anderson, J. W. 1981 [1972]. Comportamento de apego fora de casa. In: N. Blurton Jones, ed. Estudos etológicos do comportamento da criança. SP, Pioneira.

13 julho 2017

Dúvida

João de Deus

Amas-me a mim? Perdoa,
É impossível! Não,
Não há quem se condoa
Da minha solidão.

Como podia eu, triste,
Ah! inspirar-te amor
Um dia que me viste,
Se é que me viste... flor!

Tu, bela, fresca e linda
Como a aurora, ou mais
Do que a aurora ainda,
Mal ouves os meus ais!

Mal ouves porque as aves
Só soltam de manhã
Seus cânticos suaves;
E tu és sua irmã!

De noite apenas trina
O triste rouxinol:
Toda a mais ave inclina
O colo ao pôr do sol.

Porquê? Porque é ditosa!
Porquê? Porque é feliz!
E a que sorri a rosa?
Ao mesmo a que sorris...

À luz doirada e pura
Do astro criador:
À noite, não, que é escura,
Causa-lhe a ela horror.

Ora, uma nuvem negra,
Uma pesada cruz,
Uma alma que se alegra
Só quando vê a luz

De que ele, o sol, inunda
O mar, quando se põe,
Imagem moribunda
De um coração que foi...

Uma alma semelhante
Não pode cativar
Um rosto tão galante,
Um tão galante olhar!

E eu vi os caracteres
Que a tua mão traçou;
Mas vós... ah! vós, mulheres,
Quem já vos decifrou!

Mal te sustinha o pulso
A delicada mão;
Sentia-te convulso
Bater o coração;

Via-te arfar o seio...
Corar... mudar de cor...
E embora, ah! não, não creio...
Tu não me tens amor!

Fonte (nona estrofe): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema publicado em livro em 1868.

12 julho 2017

Dez anos e nove meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quarta-feira, 12/7, o Poesia contra a guerra completou 10 anos e nove meses no ar. Diferentemente dos balanços anteriores, cabe destacar que o ‘Sitemeter’, o principal contador de visitas instalado no blogue desde o início, saiu ele próprio do ar (em 5/7). Resta o contador secundário, ‘Extreme Tracking’, mas este sempre produziu números um pouco diferentes. (Em 2/7, por exemplo, o primeiro registrava 320.783 visitas e o segundo, 337.904, e isto para um intervalo de tempo ainda menor.)

Desde o balanço anterior – Dez anos e oito meses no ar – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Bertold Brecht, Francisco Carlos Teixeira da Silva, François Chapeville, Giacomo Leopardi, J. C. Dalponte, João Bosco dos Santos, Magno A. P. Ramalho, Marlise Becker, Maria José O. Zimmermann, Maria Yedda Linhares, Rebecca Stefoff e Samuel P. Huntington. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Léon-François Comerre e Vittore Carpaccio.

10 julho 2017

Elegia para uma gaivota

Sebastião da Gama

Morreu no Mar a gaivota mais esbelta,
a que morava mais alto e trespassava
de claridade as nuvens mais escuras com os olhos.

Flutuam quietas, sobre as águas, suas asas.
Água salgada, benta de tantas mortes angustiosas, aspergiu-a.
E três pás de ar pesado para sempre as viagens lhe vedaram.

Eis que deixou de ser sonho apenas sonhado.
–: É finalmente sonho puro,
sonho que sonha finalmente, asa que dorme voos.

Cantos dos pescadores, embalai-a!
Versos dos poetas, embalai-a!
Brisas, peixes, marés, rumor das velas, embalai-a!

Há na manhã um gosto vago e doce de elegia,
tão misteriosamente, tão insistentemente,
sua presença morta em tudo se anuncia.

Ela vai, sereninha e muito branca.
E a sua morte simples e suavíssima
é a ordem-do-dia na praia e no mar alto.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1951.

08 julho 2017

A se stesso

Giacomo Leopardi

Or poserai per sempre,
Stanco mio cor. Perì l’inganno estremo,
Ch’eterno io mi credei. Perì. Ben sento,
In noi di cari inganni,
Non che la speme, il desiderio è spento.
Posa per sempre. Assai
Palpitasti. Non val cosa nessuna
I moti tuoi, nè di sospiri è degna
La terra. Amaro e noia
La vita, altro mai nulla; e fango è il mondo.
T’acqueta omai. Dispera
L’ultima volta. Al gener nostro il fato
Non donò che il morire. Omai disprezza
Te, la natura, il brutto
Poter che, ascoso, a comun danno impera,
E l’infini vanità del tutto.

Fonte (versos 12-16): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 3. Brasília, Senado Federal. Poema datado de 1833.

06 julho 2017

Choque do futuro

Samuel P. Huntington

A política mundial está entrando em uma nova fase, e os intelectuais não hesitam em oferecer uma profusão de visões de como ele será – o fim da História, o retorno das tradicionais rivalidades entre nações-Estado, o declínio da nação-Estado decorrente do conflito entre tribalismo e globalização, entre outras. Cada uma dessas visões capta apenas alguns aspectos da política global nos anos vindouros.

A fonte fundamental de conflito nesse novo mundo não será essencialmente ideológica nem econômica. As grandes divisões da humanidade e a fonte predominante de conflito serão de ordem cultural. As nações-Estado continuarão a ser os agentes mais poderosos nos acontecimentos globais, mas os principais conflitos ocorrerão entre nações e grupos de diferentes civilizações. O choque de civilizações dominará a política global. As linhas de cisão entre as civilizações serão as linhas de batalha do futuro.

O conflito entre civilizações caracterizará a mais recente fase da evolução dos conflitos no mundo moderno. Durante um século e meio após o aparecimento do moderno sistema internacional com a Paz de Vestefália, em 1648, os conflitos do mundo ocidental aconteceram em boa medida entre governantes – imperadores, monarcas absolutistas e monarcas constitucionalistas – que tentaram expandir seu corpo burocrático, Exército, poderio econômico mercantilista e, acima de tudo, o território sob seu domínio. Nesse processo, criaram as nações-Estado, e a partir da Revolução Francesa as principais linhas de conflito situaram-se entre nações e não entre governantes. Essa tendência, que marcou todo o século XIX, perdurou até o fim da I Guerra Mundial. Foi então, como resultado da Revolução Russa e da reação contra ela, que o conflito de nações deu lugar ao conflito de ideologias, primeiro entre o comunismo, o nazi-fascimo e a democracia liberal e a seguir entre o comunismo e a democracia liberal. Durante a Guerra Fria, este último conflito incorporou-se à luta entre as duas superpotências; nenhuma delas constituía uma nação-Estado no sentido europeu clássico, e cada qual definia sua identidade em termos da ideologia que professava.
[...]

Fonte: Veja. 1993. Reflexões para o futuro. SP, Abril.

04 julho 2017

Caracteres quantitativos

Magno A. P. Ramalho, João Bosco dos Santos & Maria José O. Zimmermann

Caracteres quantitativos são aqueles controlados por vários genes e/ou muito influenciados pelo ambiente. Devido à presença de um ou ambos os fatores, estes caracteres normalmente apresentam variação contínua. [...]

No estudo dos caracteres quantitativos, utilizando os componentes de médias, o ponto de partida é a elaboração de um modelo. Como ilustração será considerado um caso bem simples, onde estará envolvido apenas um gene com dois alelos (B, b). Nesta situação a letra maiúscula não significa dominância, mas apenas indica que o alelo B é o favorável para fins de melhoramento e o b, o desfavorável. Também será considerado no estabelecimento do modelo, a ausência de efeitos ambientais.

Numa situação como esta, podem ocorrer apenas três genótipos: BB, Bb e bb. Para descrever a diferença fenotípica entre eles, há necessidade de se conhecer um ponto de origem, que no caso é a média fenotípica dos genótipos homozigóticos representada aqui por m (ou ponto médio). O componente α mede o afastamento dos homozigotos em relação ao ponto médio, e o componente δ mede o afastamento do heterozigoto em relação ao mesmo ponto. Assim o modelo genético que representa o componente da média do genótipo BB é m + α, do genótipo bb é m – α, e do genótipo Bb é m + δ. Como foi mencionado, α e δ são desvios em relação à media [...]. As relações entre α e δ permitem conhecer o tipo de interação alélica presente; assim se δ = 0, o alelo em questão não exibe dominância; se δ = α, há dominância completa; com 0 < δ < α há dominância parcial, e se δ > α, há sobredominância. A relação δ / α é [denominada] de grau de dominância (gd) de um determinado loco. Pelo exposto anteriormente, quando gd = 0, não há dominância; se gd = 1, há dominância completa; se gd estiver compreendido entre 0 e 1, ocorre dominância parcial; e se gd > 1, há sobredominância.
[...]

Fonte: Ramalho, M. A. P.; Santos, J. B.  & Maria José O. Zimmermann, M. J. O. 1993. Genética quantitativa em plantas autógamas. Goiânia, Editora UFG.

02 julho 2017

Caça na lagoa


Vittore Carpaccio (c. 1465-1525-6). Caccia in laguna. 1490-5.

Fonte da foto: Wikipedia.

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