27 fevereiro 2017

Carrossel


Mark Gertler (1891-1939). Merry-go-round. 1916.

Fonte da foto: Wikipedia.

25 fevereiro 2017

Se puderes

Gordana Đurić

Fala com a grama,
Contata o vento,
Impede a água de escorrer da fonte,
Se puderes,
Faze com que se unam os inimigos.

Se puderes,
Não permitas que as jovens exalem o seu perfume,
Não permitas que as jovens possam escolher,
Não permitas que as jovens possam florescer.

Se puderes,
Agarra-me como se fosse um pássaro,
Agarra-me como se fosse um instante,
Agarra-me como se fosse uma estrela do céu.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM. Poema publicado em livro em 1989.

22 fevereiro 2017

Amigas, eu oí dizer

Gonçalo Eanes do Vinhal

   Amigas, eu oí dizer
que lidaron os de Mouron
com aquestes del rei, e non
poss’end’a verdade saber:
   se é viv’o meu amigo,
   que troux’a mia touca sigo.

   Se me mal non estevesse
ou non fosse por enfinta,
daria esta mia cinta
a quen m’as novas dissesse:
   se é viv’o meu amigo,
   que troux’a mia touca sigo?

Fonte: Vasconcelos, CM. 2004 [1904]. Glosas marginais ao cancioneiro medieval português de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis. Canção de amigo de meados do século 13.

20 fevereiro 2017

Ego e ideologia

Erik Erikson

O fenômeno tem aspectos evolutivos bem como históricos. Eu colocaria do seguinte modo: O homem se tornou dividido em pseudoespécies e, na presente era, tenta superar uma das últimas formas desse fenômeno, que é o nacionalismo. O animal tribal está na defensiva, justamente porque ideologias mais inclusivas estão sendo formuladas. Mas, como formar uma identidade mais ampla – este torna-se agora o problema da juventude. Na minha opinião, o adolescente é dirigido e frequentemente perturbado por uma nova pressão quantitativa de impulsos conflitantes. Assim, o aspecto ontogenético da adolescência é realmente representativo daquilo que a força do ego de cada indivíduo precisa tentar resolver num único momento, a saber, o desgoverno interno e as condições mutáveis. Uma pessoa cujas potencialidades como pessoa não podem ser atualizadas nas tendências históricas do seu tempo, simplesmente, fica mais desnorteada a respeito do que a impulsiona amorfamente, mas inclinada a regredir e, desse modo, também mais importunada por remanescentes infantis na sua sexualidade. Você pode ver, em qualquer jovem, que ele pode exercer a sexualidade sem dificuldades, pode se expor a crises e absorver alguns equívocos graves. Assim, a identidade tem essa importância no desenvolvimento. Mas, depois, ela tem também o seu lado social, que é o que a torna psicossocial. Como base no desenvolvimento cognitivo, a pessoa jovem está procurando uma estrutura ideológica com a qual enfrentará um futuro de vastas possibilidades. É muito importante ver que ideologias, por definição, não podem ser constituídas de valores maduros. Os adolescentes são facilmente seduzidos por regimes totalitários e todas essas tendências que oferecem alguns valores transitórios falsos. Enquanto a adolescência é vulnerável a ideias falsas, ela pode colocar uma grande energia e lealdade à disposição de qualquer sistema convincente. Isto é o que a torna tão trágica e dá a todos os criadores de novos valores tamanha responsabilidade. Nós, no Ocidente, pensamos que queremos só defender um estilo de vida, enquanto, de fato, estamos também criando e exportando ideologias tecnológicas e científicas, que têm seus próprios caminhos para reforçar o conformismo. Estas são duas grandes fontes de identidade contemporânea e de confusão de identidade: a crença na tecnologia e a reafirmação de uma espécie de humanismo. Ambas podem ser obsoletas, na sua utopia, inadequadas ao esforço gigantesco do homem para controlar os seus próprios poderes.

Fonte: Evans, R. I. 1979 [1976]. Construtores da psicologia. SP, Summus & Edusp.

18 fevereiro 2017

É noite. Paira no ar uma etérea magia

Gilka Machado

É noite. Paira no ar uma etérea magia;
nem uma asa transpõe o espaço ermo e calado;
e, no tear da amplidão, a Lua, do alto, fia
véus luminosos para o universal noivado.

Suponho ser a treva uma alcova sombria,
onde tudo repousa unido, acasalado.
A Lua tece, borda, e para a Terra envia,
finos, fluidos filós, que a envolvem lado a lado.

Uma brisa sutil, úmida, fria, lassa,
erra de quando em quando. É uma noite de bodas
esta noite... há por tudo um sensual arrepio.

Sinto pelos no vento... é a Volúpia que passa,
flexuosa, a se roçar por sobre as coisas todas,
como uma gata errando em seu eterno cio.

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 7. SP, Cultrix & Edusp. Poema – integrante da série Noturnos – publicado em livro em 1915.

15 fevereiro 2017

I am a black woman

Mari Evans

I am a black woman
the music of my song
some sweet arpeggio of tears
is written in a minor key
and I
can be heard humming in the night
Can be heard
   humming
in the night

I saw my mate leap screaming to the sea
and I/with these hands/cupped the lifebreath
from my issue in the canebrake
I lost Nat’s swinging body in a rain of tears
and heard my son scream all the way from Anzio
for Peace he never knew... I
learned Da Nang and Pork Chop Hill
in anguish
Now my nostrils know the gas
and these trigger tire/d fingers
seek the softness in my warrior’s beard

I
am a black woman
tall as a cypress
strong
beyond all definition still
defying place
and time
and circumstance
   assailed
      impervious
         indestructible
Look
   on me and be
renewed

Fonte (primeira e última estrofe): Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições. Poema publicado em livro em 1970.

13 fevereiro 2017

Death, be not proud

John Donne

Death, be not proud, though some have called thee
Mighty and dreadful, for thou art not so;
For those whom thou think’st thou dost overthrow,
Die not, poor Death, nor yet canst thou kill me.
From rest and sleep, which but thy pictures be,
Much pleasure; then from thee much more must flow,
And soonest our best men with thee do go,
Rest of their bones, and soul’s delivery.
Thou art slave to fate, chance, kings, and desperate men,
And dost with poison, war, and sickness dwell;
And poppy or charms can make us sleep as well
And better than thy stroke; why swell’st thou then?
One short sleep past, we wake eternally,
And death shall be no more; Death, thou shalt die.

Fonte (último verso): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 2. Brasília, Senado Federal. Poema – integrante da série Holy sonnets – publicado em 1633.

12 fevereiro 2017

Dez anos e quatro meses no ar

F. Ponce de León

Neste domingo, 12/2, o Poesia contra a guerra completa 10 anos e quatro meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 310.845 visitas ocorreram ao longo desse período.

Desde o balanço anterior – Dez anos e três meses no ar – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Andrew C. Campbell, Ernst Mayr, Euro Arantes, Francisco Aboitiz, John L. Harper, Juan Montiel, Juca Chaves, Norman Metzger, Oliveira Silveira e Robert T. Orr. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Dora Carrington, Jean-Paul Laurens e Pierre-Narcisse Guérin.

10 fevereiro 2017

Paisagem espanhola


Dora Carrington (1893-1932). Spanish landscape with mountains. ~1924.

Fonte da foto: The Athenaeum.

08 fevereiro 2017

Os oceanos poluídos

Norman Metzger

Não obstante o que ainda temos de aprender sobre as proteínas fixadoras de [nitrogênio], enigmas do envelhecimento e neutrinos subterrâneos, os oceanos continuam sendo o posto avançado mais inconfortável do homem – uma última fronteira para a ciência. Não compreendemos os oceanos – a natureza e comportamento da água do mar; o que acontece quando o oceano se encontra com o ar; e como a química dos oceanos afeta a vida que essas águas criam. Sabemos mais sobre os leitos dos oceanos do que sobre as águas que lhes estão por cima.

Essas lacunas apontam para uma importância mais profunda do que o simples impulso para aprender: os oceanos estão sendo poluídos com rapidez sempre crescente e não sabemos as consequências.

As quantidades anuais de chumbo e mercúrio que o homem está acrescentando aos oceanos aproximam-se dos níveis acrescentados pela erosão natural dos continentes; os hidrocarbonetos do óleo derramado estão atingindo o nível dos hidrocarbonetos naturais resultantes da decomposição da vida vegetal e animal; cerca de 25% de todo o DDT feito até hoje estão agora nos oceanos. Os pesticidas usados na África seguem os ventos e aparecem na baía de Bengala, ao largo do oceano Índico e nas Antilhas. Os pesticidas pulverizados num milharal no Kansas aparecem nas geleiras no hemisfério norte, dentro de um ano. Qualquer químico analítico competente pode encontrar radioatividade feita pelo homem nas águas extraídas de qualquer oceano.
[...]

Fonte: Metzger, N. 1975 [1972]. Homens e moléculas. RJ, Zahar.

06 fevereiro 2017

Só a leve esperança, em toda a vida

Vicente de Carvalho

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Fonte: Horta, A. B. 2007. Criadores de mantras. Brasília, Thesaurus. Poema – o primeiro da série ‘Velho tema’ – publicado em livro em 1908.

04 fevereiro 2017

A imprensa como ela é

Euro Arantes

O leitor que diariamente sai à rua para comprar ‘o seu jornal’ está pagando para ser ludibriado.

A notícia era apenas isso:

“Dois namorados, modestamente vestidos, passeavam ontem na Pampulha, quando foram colhidos por um caminhão da Standard Oil (hoje Esso), que rodava em direção a Belo Horizonte, transportando 6.000 litros de óleo destinados à Prefeitura da Capital. Os dois jovens, que mais tarde foram identificados como sendo Fulano e Fulana, tiveram morte imediata e o motorista foi preso por um inspetor de veículos que, casualmente, passava pelo local.”

Mas acontece que cada jornal costuma sempre interpretar os fatos ao seu modo e o resultado foi que, no dia seguinte, os nossos matutinos (com exceção do Informador Comercial, que é órgão especializado, e do Estado de Minas, que só publica anúncios, e por isso não noticiaram o fato) apareceram com os seguintes títulos:

Folha de Minas (jornal do governo)

“Notável eficiência do Serviço Estadual de Trânsito” – “O inspetor prendeu em flagrante o motorista assassino” – “O governador visitou pessoalmente as duas famílias enlutadas” – “Aberto rigoroso inquérito por ordem da Chefia de Polícia.”

O Diário (jornal da Cúria Metropolitana)

“Castigados os infiéis” – “Entregavam-se à prática de atos imorais, quando foram colhidos por um caminhão.”

Tribuna de Minas (de propriedade do ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros)

“Ademar de Barros está com o povo” – “Amparada pela caixinha do ex-governador de São Paulo, a família do rapaz que faleceu ontem na Pampulha.”

Diário de Minas (do sr. Otacílio Negrão de Lima, inimigo público do prefeito da Capital)

“Responsável é o prefeito Américo René Giannetti” – “O veículo estava desenvolvendo velocidade excessiva porque o Visconde tinha pressa em receber a mercadoria” – “Para o sr. Giannetti duas vidas valem menos do que 6.000 litros de óleo.”

Jornal do Povo (órgão do antigo Partido Comunista)

“Proletários brasileiros vítimas do imperialismo norte-americano” – “Cena revoltante na Pampulha: dois humildes operários nacionais esmagados sob as rodas de um possante caminhão da Standard Oil.”

Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.

03 fevereiro 2017

O retorno de Marcus Sextus


Pierre-Narcisse Guérin (1774-1833). Le Retour de Marcus Sextus, proscrit de Sylla qui retrouve sa femme morte et sa fille au désespoir. 1799.

Fonte da foto: Wikipedia.

01 fevereiro 2017

De binóculo

Carlos Saldanha

Abaixando o copázio
Empunhando o espadim
Levantando o corpanzil
Indiferente ao poviléu
O homenzarrão abriu a bocarra
fitando admirado
a naviarra do capitorra.

Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª ed. RJ, Aeroplano. O autor é conhecido também pelo pseudônimo ‘Zuca Sardan’.

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