17 julho 2016

Pelos 40 anos da morte de García Lorca

Claudio Willer

Eu vi pouca coisa nos jornais & revistas sobre os 40 anos da morte de
García Lorca
algumas manifestações e homenagens & uma notícia interessante (na Veja)
detalhando as circunstâncias – só isso
o resto, notas esparsas perdidas nos textos
quase ninguém lembrou
passou despercebido
ninguém quis lembrar
porque as pessoas não querem mais lembrar
e desistiram de falar
pois esta é a era do silêncio
silêncio de covas rasas e túmulos lacrados e circunscritos
silêncio vigiado e preso
silêncio de poeiras há pouco assentadas
pois todos estão mudos e perplexos
alguns mortos incomodam demais
e ninguém quer saber
ninguém quer ver
ninguém quer saber o que tem a ver
apenas este silêncio selado esponjoso grávido
de escorpiões & maresias & tempos & memórias
& vítimas do fascismo
silêncio sem preces nem retaliações
silêncio de palavras costuradas
sexos guilhotinados
uivos espalhados pelas madrugadas
silêncio fantasiado de escafandrista
silêncio de pupilas desorbitadas
tímpanos perfurados unhas arrancadas
gritos em corredores estreitos
jorros de silêncio naufrágios de silêncio
silêncio de cascos estilhaçados de tartaruga
desabando sobre o mundo
silêncio sobre o que foi
o que é
e o que se sabe
silêncio com endereço certo e data marcada
silêncio vômito do tempo e ejaculação precoce
silêncio de feltro
estiletes & punhais dentro da noite
& anteparos & mesas cirúrgicas
& corpos & anêmonas & brônquios
& sangue recém-coagulado pelas paredes
silêncio maior que o mundo e mais pesado que o tempo
silêncio de eletrodos & poções mágicas
silêncio de sorrisos oblíquos
rostos cúmplices
olhares de viés
silêncio conivente e sussurrado
silêncio fantasma à cabeceira
passos de silêncio
atmosferas de silêncio
perseguições na quietude do tempo presente
convulsões inesperadas
silêncio carregado de alucinações
que nos perseguem encapuzadas
silêncio de vértebras e rins e palavras ocultas e soterradas
e vigiadas
junto ao corpo de Federico García Lorca
assassinado por alcaguetes e tropas fascistas
em um campo de Granada em agosto de 1936
desde então ciosamente guardado
por uns poucos fantasmas carcomidos e fosforescentes
para que ninguém chegue perto
e tenha a coragem de romper o lacre
e soltar as palavras
a serem lançadas contra a opacidade do mundo
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
e acharam tudo muito bonito
gostaram demais dos textos
de fato, era um grande poeta
e ficou por isso mesmo

Fonte (versos 32, 57-67): Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema publicado em livro em 1981.

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