02 maio 2016

A mão, o muro, o mundo

José Tolentino Mendonça

A mão preferida pelo silêncio
evoca sobre o muro
um alfabeto sem vincos

não é mão é uma luz que sobe pela colina
um atalho entre as estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita contra a noite
na enseada

A mão preferida pelo silêncio
folheia o livro dos incêndios
torna-se irremediavelmente suja
sobre o muro traça os vincos
os primeiros versos

A mão preferida pelo silêncio
não conhece repouso
quando atravessa a noite da enseada

é a mão trêmula
pobre
assinalada pela escassez extrema dos nomes

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1997.

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