04 janeiro 2016

À sepultura de um escravo

Bernardo Guimarães

Também do escravo a humilde sepultura
Um gemido merece de saudade:
Uma lágrima só corra sobre ela
            De compaixão ao menos...
Filho da África, enfim livre dos ferros
Tu dormes sossegado o eterno sono
Debaixo dessa terra que regaste
            De prantos e suores.

Certo, mais doce te seria agora
Jazer no meio lá dos teus desertos
À sombra da palmeira, – não faltara
Piedoso orvalho de saudosos olhos
            Que te regasse a campa;
Lá muita vez, em noites d’alva lua,
Canção chorosa, que ao tanger monótono
De rude lira teus irmãos entoam,
            Teus manes acordara;
Mas aqui – tu aí jazes como a folha
Que caiu na poeira do caminho,
Calcada sob os pés indiferentes
            Do viajor que passa.

Porém que importa – se repouso achaste,
Que em vão buscavas neste vale escuro,
            Fértil de pranto e dores;
Que importa – se não há sobre esta terra
Para o infeliz asilo sossegado?
A terra é só do rico e poderoso,
E d’esses ídolos que a fortuna incensa,
            E que, ébrios de orgulho,
Passam, sem ver que co’as velozes rodas
Seu carro d’ouro esmaga um mendicante
            No lodo do caminho!...
Mas o céu é daquele que na vida
Sob o peso da cruz passa gemendo;
É de quem sobre as chagas do inditoso
Derrama o doce bálsamo das lágrimas;
É do órfão infeliz, do ancião pesado,
Que da indigência no bordão se arrima;
É do pobre cativo, que em trabalhos
No rude afã exala o alento extremo;
– O céu é da inocência e da virtude,
            O céu é do infortúnio.

Repousa agora em paz, fiel escravo,
Que na campa quebraste os ferros teus,
No seio dessa terra que regaste
            De prantos e suores.
E vós, que vindes visitar da morte
            O lúgubre aposento,
Deixai cair ao menos uma lágrima
De compaixão sobre essa humilde cova;
Aí repousa a cinza do Africano,
            – O símbolo do infortúnio.

Fonte (estrofes 1, 4 e parte da 3): Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 1. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1852.

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