31 janeiro 2016

Das metades

Luiz Alfredo Milleco

Em metades
te procurei
para que as etapas
formassem meu encontro

Em metades
te ouvi
para que os sons
fossem formando
minha cantiga

e te amo
de metades em metades
por não saber
te amar ainda
por inteiro

Fonte: Kuri et al. 2004. AdVersos. RJ, Atlântica Editora.

29 janeiro 2016

A última geração literária

Zuenir Ventura

A geração de 68 talvez tenha sido a última geração literária do Brasil – pelo menos no sentido em que seu aprendizado intelectual e sua percepção estética foram forjados pela leitura. Foi criada lendo, pode-se dizer, mais do que vendo.

As moças e rapazes de então já começavam a preferir o cinema e o rock, mas as suas cabeças tinham sido feitas basicamente pelos livros. O filósofo José Américo Pessanha prefere chamá-la de “última geração loquaz”, em que “uma formação altamente literalizada lhe deu o gosto da palavra argumentativa”. Da palavra argumentativa e do palavrão, que foi na época a expressão mais escandalosa da, digamos, ‘revolução verbal’. O palavrão, claro, não foi inventado em 68, mas neste ano ele deixou de ser nome feio e passou a frequentar as mais jovens e delicadas bocas, em todos os lugares. Nelson Rodrigues lamentava não conhecer “O Padre Ávila, ou outro sociólogo, ou quem sabe um psicanalista”, para perguntar: “Há ou não, por todo o Brasil, a doença infantil do palavrão?” Segundo ele, se retirassem os palavrões de O rei da vela, por exemplo, a peça “não ficaria de pé cinco minutos”.

Estudando os jovens que se formaram depois – A geração AI-5 –, o sociólogo Luciano Martins constatou um fenômeno inverso: estes são, talvez por reação, de poucas palavras. Luciano notou que a ‘desarticulação do discurso’ foi – ao lado do culto da droga e do modismo psicanalítico – uma das características dos jovens de classe média urbana que, do final de 68 até 75, ficaram expostos à ‘cultura autoritária’. Foi a geração da linguagem indeterminada, ‘unidimensional’ – do barato, curtir, transar, pintar.
[...]

Fonte: Ventura, Z. 1988. 1968: O ano que não terminou, 16ª edição. RJ, Nova Fronteira.

27 janeiro 2016

Retrato de uma jovem


Armand Laroche (1826-1903). Portrait de 3/4 de jeune femme. 1872.

Fonte da foto: Wikipedia.

25 janeiro 2016

Sobre um poema de Matthew Rohrer

F. Ponce de León

O filósofo e poeta Antônio Cícero mantém um blogue literário, ‘Acontecimentos’, no qual reproduz obras suas e de outrem. Em visita ao blogue, na última sexta-feira (22/1), encontrei o seguinte poema (postagem ‘Matthew Rohrer: ‘Poem’/’Poema’: trad. de Sylvio Fraga’, de 17/1):

Poem

Matthew Rohrer

You called, you’re on the train, on Sunday,
I have just taken a shower and await
you. Clouds are slipping in off the ocean,
but the room is gently lit by the green
shirt you gave me. I have been practicing
a new way to say hello and it is fantastic.
You were so sad: goodbye. I was so sad.
All the shops were closed but the sky
was high and blue. I tried to walk it off
but I must have walked in the wrong direction.

O autor, como o título da postagem já indica, é o poeta estadunidense Matthew Rohrer. Na postagem, o original vem acompanhado da seguinte versão em português:

Poema

Matthew Rohrer

Você ligou, está no ônibus, no domingo,
acabei de tomar banho e espero você
chegar. Nuvens vêm deslizando do mar,
mas o quarto é delicadamente aceso pela camisa
verde que você me deu. Tenho praticado
uma nova forma de dizer oi e é fantástica.
Você estava tão triste: tchau: eu estava tão triste.
Todas as lojas estavam fechadas mas o céu
era alto e azul. Fui dar uma volta para ver se passava,
mas devo ter andado na direção errada.

Esta versão, do poeta e compositor Sylvio Fraga Neto, está no livro O andar ao lado: Três novos poetas norte-americanos [sic] – Matthew Rohrer, Jon Woodward, Matthew Zapruder, publicado pela editora 7Letras, em 2013. (Assim como Rohrer, Woodward e Zapruder nasceram nos Estados Unidos – os três, portanto, são estadunidenses.) Além da tradução, Fraga foi responsável pela seleção dos poemas que integram a obra.

Uma versão alternativa

Confesso que eu ainda não conhecia o autor nem a sua obra – a qual, a rigor, continuo desconhecendo, excetuando um ou outro poema que li nos últimos dias. O restante deste artigo, portanto, pode vir a se revelar um grande equívoco.

O ponto de partida do poema é o iminente reencontro de um casal (homem/mulher ou qualquer outro). Há uma única estrofe, mas os seus 10 versos podem ser divididos em três partes, a saber: “o reencontro e a esperança de um futuro melhor” (v. 1-5), “a mudança de comportamento do narrador” (v. 5-6) e o “passado doloroso e frustrante” (v. 7-10).

Na primeira parte, o narrador descreve as suas expectativas. O mundo é grande e não faltam problemas (Clouds are slipping in off the ocean), mas há motivos para ter esperança (gently lit by the green shirt). Na segunda, o narrador dá a entender que está empenhado em mudar (a new way to say hello), algo que parece empolgá-lo (it is fantastic). Na parte final, ele relembra a separação, triste e dolorosa. As promessas de felicidade (the sky was high and blue) não se realizaram – o narrador não foi feliz após a separação (in the wrong direction). O reencontro, portanto, seria uma renovada oportunidade de um futuro melhor.

A versão em português parece preocupada em realçar o coloquialismo presente no original (oi, v. 6, e tchau, v. 7), a ponto de tomar algumas liberdades (ônibus, v. 1, e dar uma volta para ver se passava, v. 9). Penso que certas escolhas do tradutor subverteram o significado original, a ponto de atrapalhar a compreensão do poema. Entre os ruídos que me chamaram a atenção, citaria ainda os trechos “o quarto é delicadamente aceso” (v. 4) e “o céu era alto e azul” (v. 8 e 9).

Não pretendo ensinar o Pai-Nosso ao vigário, mas resolvi preparar uma versão alternativa. Eis a minha sugestão:

Poema

Matthew Rohrer

Você telefonou, do trem onde está – é domingo;
acabei de tomar um banho e aguardo
você. Nuvens chegam do oceano,
a sala, porém, está vagamente iluminada pelo verde
da camisa que você me deu. Tenho exercitado
um novo modo de dizer olá – é fantástico.
Você estava tão triste: adeus. Eu estava tão triste.
Todas as lojas estavam fechadas, o céu, porém,
era alegre e azul. Tentei ir embora,
mas eu devo ter ido na direção errada.

Comentários adicionais em português sobre a vida e obra de Rohrer podem ser encontrados no artigo ‘Caseiro e estranho’, de Eucanãa Ferraz, publicado na revista piauí, em fevereiro de 2013.

23 janeiro 2016

Durassolado

José Lino Grünewald

       durassolado  solumano
      petrifincado  corpumano
        amargamado  fardumano
        agrusurado  servumano
     capitalienado  gadumano
      massamorfado  desumano

Fonte: Bosi, A. 2013. História concisa da literatura brasileira, 49ª edição. SP, Cultrix. Poema escrito em 1961.

21 janeiro 2016

Boi morto

Manuel Bandeira

Como em turvas águas de enchente,
Me sinto a meio submergido
Entre destroços do presente
Dividido, subdividido,
Onde rola, enorme, o boi morto,

Boi morto, boi morto, boi morto.

Árvores da paisagem calma,
Convosco – altas, tão marginais! –
Fica a alma, a atônita alma,
Atônita para jamais.
Que o corpo, esse vai com o boi morto,

Boi morto, boi morto, boi morto.

Boi morto, boi descomedido,
Boi espantosamente, boi
Morto, sem forma ou sentido
Ou significado. O que foi
Ninguém sabe. Agora é boi morto,

Boi morto, boi morto, boi morto.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema publicado em livro em 1952.

19 janeiro 2016

Sinal fechado

Paulinho da Viola

Olá, como vai?
            Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo, correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
            Tudo bem, eu vou indo em busca
            De um sono tranquilo, quem sabe?
Quanto tempo...
            Pois é, quanto tempo...

Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios...
            Oh, não tem de quê
            Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
            Pra semana, prometo,
            Talvez nos vejamos, quem sabe?
Quanto tempo...
            Pois é, quanto tempo...

Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
            Eu também tenho algo a dizer
            Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso beber
Alguma coisa rapidamente
            Pra semana...
O sinal...
            Eu procuro você...
Vai abrir! Vai abrir!
            Prometo, não esqueço
Por favor, não esqueça
            Adeus...

Fonte: o LP Sinal fechado (1974), de Chico Buarque.

17 janeiro 2016

Retrato masculino


Louis-Frédéric Schützenberger (1825-1903). Portrait d’homme (1897).

Fonte: Wikipedia.

15 janeiro 2016

Túmulo de Baudelaire

Eduardo Guimaraens

Um anjo, que possui uma espada de chama,
hirto e pálido, à fronte um halo virginal,
guarda o Túmulo, junto ao mármore imortal,
a que o Poeta desceu; cego de luz e lama.

Outro, que às mãos desfralda o ardor de uma auriflama,
olha, cismando, o azul profundo como o mal;
e Lúcifer, enfim, magnífico e fatal,
tem à boca a revolta em que a blasfêmia clama.

Entre a aridez da terra e a solidão noturna,
fundo abismo, do espaço ao lúgubre esplendor,
fendem-se do Desejo as largas fauces de urna.

E as Danaides, de aspecto envelhecido e eterno,
tentam encher em vão esse tonel de horror!
Ora, lá dentro, o Céu! Uiva, lá dentro, o Inferno!

Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep. Poema publicado em livro em 1916. Para ler um poema de Charles Baudelaire, clique aqui.

13 janeiro 2016

Por quem os sinos dobram

Wander Piroli

Ketchum, Sun Valley. Ernest Hemingway matou-se acidentalmente e Hemingway suicidou-se com um tiro de fuzil, espingarda, pistola e rifle na cabeça. Aí está o fato visto pelas agências telegráficas. Quase ao mesmo tempo irrompeu nos jornais aquele rosto redondo e barbudo, queimado de sol, ao qual o mundo já estava acostumado. Ora ao lado de sua última esposa nas selvas da África ou conversando com um barman em Havana. Ora em Veneza escrevendo Do outro lado do rio, entre as árvores, ou na barca Pilar de arpão em punho. Aqui o temos em Paris com seu amigo Gary Cooper, ou em Pamplona abraçado ao jovem toureiro Ordoñez. Eis agora o Velho de calção e descalço no terreno de seu sítio perto de Havana. Há ainda uma foto que o mostra esquiando na Suíça, outra jogando tênis e uma terceira no corner de um boxeador. Sempre o vimos de pé. Até para escrever, conservava-se de pé. Quem é, afinal, esse velho homem? Hemingway já havia morrido outras vezes, principalmente em 1954, e muita gente passou por cima dos recentes detalhes e preferiu não acreditar sequer na notícia de sua morte. Alimentava-se inclusive a suspeita de que o Velho Homem não morreria nunca. E isto de certa forma é verdade, pois segundo Guillén os grandes mortos não morrem. A família, porém, confirmou: Hemingway matou-se acidentalmente, quando limpava o fuzil. Mas logo surgiu outra versão: suicídio. Acidente ou suicídio? Vamos supor que o Velho tenha simplesmente colocado os dois canos do rifle de encontro ao céu da boca e em seguida puxado o gatilho. O certo é que o Velho estava sozinho e, naquele momento, sua mulher Mary roncava. A mulher despertou com o estampido, e, quando foi ver, o homem estava morto. O rifle era de calibre 32, e o negócio se deu na manhã de domingo, dia dois, às 7:30. E tinha sido um tiro puro e exato, como as suas melhores páginas: “Alguns utilizam a tradição nativa do Colt ou Smith and Wesson, esses instrumentos bem construídos que eliminam a insônia, fazem cessar o remorso, curam o câncer, evitam falências e abrem uma porta para posições intoleráveis, apenas com a pressão de um dedo; esses admiráveis instrumentos americanos, tão seguros em seus efeitos, tão bem desenhados para terminar o sonho americano quando o mesmo se transforma em pesadelo, e que tem como única inconveniência a sujeira que deixam para os parentes limparem.” (De Ter e não ter.)

Hemingway nasceu no dia 21 de julho de 1899, em Oak Park, subúrbio burguês de Chicago. O pai, médico de projeção, desde criança o iniciara nos segredos da caça e da pesca (Nos seus primeiros contos, podemos distingui-lo no menino Nick). Aprende a tocar violoncelo (por insistência da mãe, que era pintora e musicista). Cresceu entre o violoncelo e os bosques e lagos de Michigan. Faz os seus estudos no colégio de Oak Park, dedica-se ao beisebol e redige uma coluna no jornal escolar. Segundo um de seus colegas de turma, Hemingway era um rapaz simpático, afável e cortês. Nessa época, abandona a família e a escola. “Construí minha vida desde que tinha 16 anos. Trabalhei como jornaleiro, lavrador, lava-pratos, servente, boxeador...” Retorna ao lar algum tempo depois e conclui o seu curso em 1917. Trabalha durante sete meses no Kansas City Star. (“No Star éramos obrigados a escrever frases simples e puramente informativas. Isso é bastante útil para todo escritor... eu começava a assimilar os pequenos fatos em que ninguém reparava e que constituem as emoções”.) Primeira Guerra. Hemingway é recusado pelo Exército americano em virtude de um defeito visual. Consegue alistar-se na Cruz Vermelha, como chofer, e vai para o front italiano em 1918. É atingido por um morteiro austríaco, juntamente com três companheiros; dois deles morrem com as pernas arrancadas; Hemingway arrasta-se com o outro nos ombro, ambos feridos; são alvejados por metralhadoras; Hemingway escapa, apresentando o seguinte saldo: 237 estilhaços incrustados nas pernas e balas nos joelhos e tornozelos. Foi este o seu primeiro contato com a morte. (“Morri naquele instante. Senti que a minha alma ou coisa que o valha saía do meu corpo como um lenço de seda puxado do bolso. Parou e em seguida voltou e tornou a entrar [em] mim e eu não estava mais morto.”) Esses ferimentos lhe propiciaram 12 intervenções cirúrgicas e duas medalhas, fora o material para o romance Adeus às armas. Finda a matança, volta para Chicago (ver o conto O soldado no seu lar) e dedica-se ao jornalismo. Em 1921, casa-se com Hadley Richardson (de quem terá um filho, John) e, com ela, vai fazer a cobertura da guerra entre a Grécia e Turquia para a imprensa americana. Em seguida, permanece um bom tempo em Paris, boemia, bebidas, touradas em Pamplona (ver O Sol também se levanta); amizade com Gertrude Stein (e a famigerada sentença: “Vocês são uma geração perdida”), Ezra Pound, Joyce, Scott Fitzgerald, aprendizado de escritor, divórcio, primeira caçada na África. Novo casamento em 1927, com Pauline Pfeiffer, de quem terá dois filhos (Patrick e Gregory), amiga de sua primeira esposa e também jornalista. Volta para os Estados Unidos, fixa-se durante muito tempo em Key West, Flórida, vida à beira mar, cujo ambiente lhe inspira o romance Ter e não ter. Um mês de caçada na África (ver o seu relato As verdes colinas da África e, depois, duas obras-primas: A vida curta e feliz de Francis Macomber e As neves do Kilimanjaro). Antes dessa viagem, porém, ocorre o suicídio de seu pai (Clemence), que o amargurou profundamente. Amargura que se reflete, inclusive, em sua obra. Mais tarde, parte para a Espanha, durante a guerra civil, como correspondente (ver Por quem os sinos dobram e o conto O velho na ponte). Divórcio outra vez. E novo casamento, agora com Martha Gethorn (de quem não terá nenhum filho). Temporada na China com a esposa. Divórcio. Estabelece-se finalmente em Cuba, num sítio perto de Havana. Segunda Grande Guerra – ei-lo com seu barco de pesca (de nome Pilar, personagem inconfundível de Por quem os sinos dobram) patrulhando o Oceano Atlântico. Correspondente de guerra, incursões com a RAF. É dos primeiros a entrar em Paris comandando um batalhão irregular; e, antes que a cidade seja libertada, ele tem o cuidado de libertar o Hotel Ritz ou, antes, a sua adega, pois era preciso comemorar o acontecimento. E não havia melhor ambiente para fazê-lo do que nos bares de Saint Germain-des-Près. Volta a Cuba, pescarias no Gulf Stream, lenta elaboração de O velho e o mar. Em 1953, pela primeira vez depois da guerra civil, revê a Espanha, sua segunda pátria, percorre os mesmo lugares que descreveu em O Sol também se levanta e, decepcionado, ali constata a presença de uma enxurrada de turistas cretinos. África novamente em 1954. O avião cai, é considerado morto. Salva-se com este saldo: ruptura do rim, queimaduras graves e duas costelas quebradas. Diverte-se no hospital lendo os necrológios que os jornais do mundo lhe dedicaram. Espanha em 1959, acompanha toda a temporada da corrida dos touros. Descreve para a revista Life a rivalidade entre os matadores Ordoñez e Dominguin (O verão sangrento, publicado em fins de 1960). Numa de suas últimas fotografias vemo-lo ao lado de Fidel Castro, em Havana, depois de um torneio de pesca.

Agora o Velho Homem está morto.

Fonte: Piroli, W. 1997. Os sinos não dobraram para Hemingway. In: Rabêlo, J. M., org. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.

12 janeiro 2016

Cento e onze meses no ar

F. Ponce de León

Nesta terça-feira, 12/1, o Poesia contra a guerra completa 111 meses (nove anos e três meses) no ar. Ao longo desse período, e até o fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue registrou 285.437 visitas.

Desde o balanço anterior – Nove anos e dois meses no ar – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Afonso Celso, Bernardo Guimarães, Constanze Mozart, E. R. Goilo, Euclides da Cunha, Jalsi T. Arruda, Katia K. V. O. Moura, Frai Luís de León, Robert Bly e Vicente de Carvalho. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Carlo Crivelli e Giovanni Francesco Caroto.

10 janeiro 2016

Se acaso uma alma se fotografasse

Euclides da Cunha

Se acaso uma alma se fotografasse,
De sorte que, nos mesmos negativos,
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face,

E os nossos ideais, e os mais cativos
Dos nossos sonhos... Se a emoção, que nasce
Em nós, também nas chapas se gravasse,
Mesmo em ligeiros traços fugitivos...

Amigo! tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando, deste grupo bem no meio,

Que o mais belo, o mais forte e o mais ardente
Destes sujeitos é, precisamente,
O mais triste, o mais pálido e o mais feio...

Fonte (estrofes 3 e 4): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora Bernardo Álvares. O poema tem algumas variantes, todas datadas de 1905.

08 janeiro 2016

Menino com desenho


Giovanni Francesco Caroto (1480-1555?). Fanciullo com disegno. 1523.

Fonte da foto: Wikipedia.

06 janeiro 2016

Criptorquidia

Jalsi T. Arruda & Katia K. V. O. Moura

As doenças que afetam os testículos respondem por cerca de 35% dos casos de ausência de espermatozoides no material ejaculado ou de mudanças importantes na qualidade do sêmen. Na criptorquidia, um ou ambos os testículos não descem para o saco escrotal durante o desenvolvimento fetal, permanecendo no abdômen, o que impede ou dificulta a produção de espermatozoides. O problema pode ser corrigido por cirurgia após o nascimento. Na varicocele, caracterizada pela dilatação dos vasos sanguíneos dos testículos, o acúmulo de sangue aumenta a temperatura local e prejudica a formação de espermatozoides. Essa doença ocorre em 30 a 40% dos homens, em especial na puberdade, e também é tratada por cirurgia. [...] A exposição prolongada a altas temperaturas (hipertermia) também pode afetar a produção de espermatozoides.

Fonte: Arruda, J. T. & Moura, K. K. V. O. 2007. A infertilidade masculina. Ciência Hoje 242: 60-3.

04 janeiro 2016

À sepultura de um escravo

Bernardo Guimarães

Também do escravo a humilde sepultura
Um gemido merece de saudade:
Uma lágrima só corra sobre ela
            De compaixão ao menos...
Filho da África, enfim livre dos ferros
Tu dormes sossegado o eterno sono
Debaixo dessa terra que regaste
            De prantos e suores.

Certo, mais doce te seria agora
Jazer no meio lá dos teus desertos
À sombra da palmeira, – não faltara
Piedoso orvalho de saudosos olhos
            Que te regasse a campa;
Lá muita vez, em noites d’alva lua,
Canção chorosa, que ao tanger monótono
De rude lira teus irmãos entoam,
            Teus manes acordara;
Mas aqui – tu aí jazes como a folha
Que caiu na poeira do caminho,
Calcada sob os pés indiferentes
            Do viajor que passa.

Porém que importa – se repouso achaste,
Que em vão buscavas neste vale escuro,
            Fértil de pranto e dores;
Que importa – se não há sobre esta terra
Para o infeliz asilo sossegado?
A terra é só do rico e poderoso,
E d’esses ídolos que a fortuna incensa,
            E que, ébrios de orgulho,
Passam, sem ver que co’as velozes rodas
Seu carro d’ouro esmaga um mendicante
            No lodo do caminho!...
Mas o céu é daquele que na vida
Sob o peso da cruz passa gemendo;
É de quem sobre as chagas do inditoso
Derrama o doce bálsamo das lágrimas;
É do órfão infeliz, do ancião pesado,
Que da indigência no bordão se arrima;
É do pobre cativo, que em trabalhos
No rude afã exala o alento extremo;
– O céu é da inocência e da virtude,
            O céu é do infortúnio.

Repousa agora em paz, fiel escravo,
Que na campa quebraste os ferros teus,
No seio dessa terra que regaste
            De prantos e suores.
E vós, que vindes visitar da morte
            O lúgubre aposento,
Deixai cair ao menos uma lágrima
De compaixão sobre essa humilde cova;
Aí repousa a cinza do Africano,
            – O símbolo do infortúnio.

Fonte (estrofes 1, 4 e parte da 3): Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 1. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1852.

02 janeiro 2016

Um pobre

E. R. Goilo

A suavidade de seu olhar roga que o ajudes.
Tem fome, nada tem, falta-lhe dinheiro para saciá-la,
Caminha pela estrada com a alma na mão,
Busca comida, talvez te peça pão...

Para em cada esquina onde possam ajudá-lo.
Quanto mais caminha, mais tristeza a aguardá-lo.
Olha muita gente em cada porta com afã
E tem medo, o chapéu estende: pobre, não podes vir amanhã?

Por que sua família, seu amigos não auxiliam?
Tem que suportar todos os dias o menosprezo de outra gente,
Com vergonha precisa pedir e sem faltar com a verdade
Nunca um pobre pisou no mundo com riqueza de amizade...

As pessoas ricas gozam com sorriso e falsidade,
Mas o pobre só pode viver à mercê da caridade.
Em sua alma a tristeza, no corpo o mal-estar.
Mas uma flor é sua pobreza para adornar de Deus o altar.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM.

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