30 março 2015

No me mueve, mi Dios, para quererte

Miguel de Guevara

No me mueve, mi Dios, para quererte
el cielo que me tienes prometido;
ni me mueve el infierno tan temido
para dejar por eso de ofenderte.

Tú me mueves, Señor; muéveme el verte
clavado en una cruz y escarnecido;
muéveme el ver tu cuerpo tan herido;
muévenme tus afrentas y tu muerte.

Muéveme, en fin, tu amor, en tal manera
que aunque no hubiera cielo, yo te amara,
y aunque no hubiera infierno, te temiera.

No me tienes que dar porque te quiera;
pues aunque cuando espero no esperara,
lo mismo que te quiero te quisiera.

Fonte (tercetos): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 2. Brasília, Senado Federal. Poema, cuja autoria já foi atribuída a, entre outros, santo Inácio de Loyola (1491-1556), são Francisco Xavier (1506-1552) e santa Teresa de Ávila (1515-1582), publicado em 1638.

28 março 2015

Os caçadores


Franz Defregger (1835-1921). Die Wildschützen. 1876.

Fonte da foto: The Athenaeum.

26 março 2015

Uma paisagem não deste lugar

Esther Raab

Ele e eu – sós
Nós os dois – e um mundo totalmente vazio.
Sós, ele e eu.
E nós não temos nenhuma imagem,
Somente o anil cintilante.
E essência de almas dançante,
Saltando num momento excitante,
Fundindo-se um ao outro.
Outras duas nítidas imagens,
Em transparentes vestes ansiando.
Uma aos braços da outra – letras, iluminadas letras,
Aderem uma à outra,
Ambas sorrindo,
Um sorriso não deste lugar,
Enquanto que os horizontes indicam
Cada sombra do arco-íris.
Contudo, não tem ninguém,
Somente o azul-safira de um distante olhar
Inflado no fogo eterno.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM.

24 março 2015

Educação como prática da liberdade

Paulo Freire

Vejamos, agora, as 17 palavras geradoras escolhidas do ‘universo vocabular’ pesquisado no Estado do Rio e que se aplicariam, também, na Guanabara.

Apresentamo-las, contudo, sem as situações existências em que eram colocadas, apenas com algumas das possíveis dimensões da realidade que eram analisadas, quando das discussões das situações.

Palavras geradoras

1) FAVELA – Necessidades fundamentais:
** Habitação
** Alimentação
** Vestuário
** Saúde
** Educação

Repitamos, neste apêndice, em linhas gerais, com a palavra geradora favela, o que fizemos, no quarto capítulo, com a palavra tijolo.

Analisado a situação existencial que representa em fotografia, aspecto de uma favela e em que se debate o problema da habitação, da alimentação, do vestuário, da saúde, da educação, numa favela e, mais ainda, em que se descobre a favela como situação problemática, se passa à visualização da palavra, com a sua vinculação semântica.

Em seguida: um slide apenas com a palavra

FAVELA

Logo depois: outro, com a palavra separada em suas sílabas:

FA-VE-LA

Após, a família fonêmica:

FA-FE-FI-FO-FU

Segue-se:

VA-VE-VI-VO-VU

Em outro slide:

LA-LE-LI-LO-LU

Agora, as três famílias:

FA-FE-FI-FO-FU
VA-VE-VI-VO-VU       Ficha da Descoberta
LA-LE-LI-LO-LU

O grupo começa então a criar palavras com as combinações à sua disposição.

2) CHUVA
Aspectos para discussão: Influência do meio ambiente na vida humana. O fator climático na economia de subsistência. Desequilíbrios regionais do Brasil.

3) ARADO
Aspectos para discussão: Valorização do trabalho humano. O homem e a técnica: processo de transformação da natureza. O trabalho e o capital. Reforma agrária.

4) TERRENO
Aspectos para discussão: Dominação econômica
Latifúndio
Irrigação
Riquezas naturais
Defesa do patrimônio nacional.

5) COMIDA
Aspectos para discussão: Subnutrição
Fome – do plano local ao nacional
Mortalidade infantil e doenças derivadas.

6) BATUQUE
Aspectos para discussão: Cultura do povo
Folclore
Cultura erudita
Alienação cultural.

7) POÇO
Aspectos para discussão: Saúde e endemias
Educação sanitária
Condições de abastecimento de água.

8) BICICLETA
Aspectos para discussão: Problema do transporte
Transporte coletivo.

9) TRABALHO
Aspectos para discussão: Processo de transformação da realidade
Valorização do homem pelo trabalho
Trabalho manual, intelectual e tecnológico
Artesanato
Dicotomia: Trabalho manual – trabalho intelectual.

10) SALÁRIO
Aspectos para discussão: Plano econômico
Situação do homem:
** Remuneração do trabalho: trabalho assalariado e não-assalariado
** Salário mínimo
** Salário móvel.

11) PROFISSÃO
Aspectos para discussão: Plano econômico
Situação do homem:
** Remuneração do trabalho: trabalho assalariado e não-assalariado
** Salário mínimo
** Salário móvel.

12) GOVERNO
Aspectos para discussão: Plano político
O poder político (três poderes)
O papel do povo na organização do poder
Participação popular.

13) MANGUE
Aspectos para discussão: A população do mangue
Paternalismo
Assistencialismo
Ascensão de uma posição de objeto destas populações para a de sujeito.

14) ENGENHO
Aspectos para discussão: Formação econômica do Brasil
Monocultura. Latifúndio
Reforma agrária.

15) ENXADA
Aspectos para discussão: Reforma agrária e reforma bancária
Tecnologia e reforma.

16) TIJOLO
Aspectos para discussão: Reforma urbana – Aspectos fundamentais
Planejamento
Relacionamento entre várias reformas.

17) RIQUEZA
Aspectos para discussão: O Brasil e a dimensão universal
Confronto da situação de riqueza e pobreza
O homem rico x o homem pobre
Nações ricas x nações pobres
Países dominantes e dominados
Países desenvolvidos e subdesenvolvidos
Emancipação nacional
Ajudas efetivas entre as nações e a Paz Mundial.

Fonte: Freire, P. 1978. Educação como prática da liberdade, 8ª edição. RJ, Paz e Terra.

22 março 2015

Circulação do sangue

James Arthur Ramsay

Considerando-se quão intensamente a anatomia humana foi estudada e quão grande foi a fertilidade de idéias no mundo antigo, parece um pouco estranho que apenas no século 17 tenha ocorrido a alguém que o sangue circulava pelo corpo. Os gregos acreditavam que as artérias continham ar e qua apenas as veias continham sangue. Galeno, no ano 170 d.C., mostrou que as artérias também continham sangue e enunciou a teoria do fluxo e refluxo dos movimentos do sangue; ele supôs que, quando o coração se contraía, o sangue partia dele para as extremidades do corpo e voltava ao coração, durante seu relaxamento. A circulação do sangue foi descoberta por William Harvey, cujo Treatise of the motion at the heart and blood foi publicado em 1628. É comum pensar que Harvey descobriu a circulação do sangue, no sentido de ter traçado a conexão entre artérias e veias e seguido o curso do sangue no seu circuito. Isso não é verdade. Harvey nunca observou diretamente a conexão entre artérias e veias; e Malpighi, apenas em 1661, foi quem, pela primeira, vez fez isto. Porém, Harvey demonstrou, de uma forma muito elegante, que a circulação do sangue era uma necessidade lógica. [...]

Fonte: Ramsay, J. A. 1973 [1968]. Introdução à fisiologia animal. SP, Polígono & Edusp.

20 março 2015

Sombras

Roterdam Salomão

é perdida na pedra
que minha sombra
quebra a natureza dura
da pedra escura.

é a sombra de meu outro eu
que fere e sangra
a emoção da pedra.

é meu corpo
pisando a pedra
dividindo a unidade da pedra,
transformando a sombra,
a minha sombra,
em pedaços de mim...

o caminho covado na pedra
acolhendo a sombra,
os pedaços de sombra,
os pedaços de mim...

Fonte: Kuri et al. 2004. Adversos. RJ, Atlântica Editora.

18 março 2015

Dama com chapéu de pena vista de costas


Hans Makart (1840-1884). Dame mit Federhut in Rückenansicht. 1875.

Fonte da foto: Wikipedia.

17 março 2015

A bismilésima postagem

F. Ponce de León

A postagem ‘Segismundo’, de 15/3, foi a 2.000ª postagem deste blogue. Não custa lembrar: a primeira foi ao ar em 12/10/2006; a quingentésima, em 26/12/2007; a milésima, em 8/12/2009; e, por fim, a milésima quingentésima, em 9/8/2012.

15 março 2015

Segismundo

Pedro Calderón de la Barca

É certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em um mundo tão singular
que o viver é só sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe;
vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queria reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.

Fonte: Bozzano, H. B.; Frenda, P. & Gusmão, T. C. 2013. Arte em interação. SP, Ibep. O trecho acima é a última fala do segundo ato do personagem Segismundo, da peça em três atos A vida é sonho, publicada em 1636.

13 março 2015

Último poema

Stefan Zweig

Suave as horas bailam sobre
O cabelo branco e raro.
A áurea taça a borra cobre:
Sorvida, eis o fundo, claro!

Pressentimento da morte
Não turba, é alívio profundo.
O gozo mais puro e forte
Da contemplação do mundo

Só o tem quem nada cobice,
Nem lamente o que não teve,
Quem já o partir na velhice
Sinta – um partir mais de leve.

O olhar despede mais chama
No instante da despedida.
E é na renúncia que se ama
Mais intensamente a vida.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema datado de 1941.

12 março 2015

Cento e um meses no ar

F. Ponce de León 

Nesta quinta-feira, 12/3, o Poesia contra a guerra completa oito anos e cinco meses no ar. Ao longo desse período, e até o fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue registrou 265.256 visitas.

Desde o balanço anterior – Cem meses no ar – foram aqui publicados pela primeira vez textos dos seguintes autores: Basílio Miranda, Carlos Pena Filho, Carlos Toledo Rizzini, Correia Garção, Daisaku Ikeda, Domingos Borges de Barros, John A. Bryant, Jorge Roux, Martin Rees e Nehas Sopaj. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Jacob Jordaens e Paolo Veronese.

11 março 2015

O que é germinação?

John A. Bryant

A definição do termo ‘germinação’ é mais difícil do que parece à primeira vista. Muitos técnicos de laboratório consideram a protrusão da radícula através da testa como o auge da germinação. Jardineiros e fazendeiros por outro lado, falam de germinação de sementes quando a plântula aparece acima do solo. Nenhuma dessas definições é completamente satisfatória, já que ambas focalizam sua atenção nas partes da semente que estão em crescimento, e dão pouca atenção a outras partes tão importantes quanto as mencionadas acima, como é o caso das reservas de alimento. Aqui é adotada uma visão mais geral, em que o termo ‘germinação’ cobre todos os processos que estão envolvidos na transformação do embrião de uma planta numa plântula independente e estabelecida. Tal definição engloba processos como a hidrólise das reservas de alimento, que pode se estender por muitos dias (ou até semanas, como no caso do coco), após a emergência da raiz ou do caule.

Fonte: Bryant, J. A. 1989 [1985]. Fisiologia da semente. São Paulo: EPU & Edusp.

09 março 2015

Soneto do desmantelo azul

Carlos Pena Filho

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas,

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1958.

07 março 2015

Ao chegar à Bahia vindo de New York

Domingos Borges de Barros

Salve ó berço onde vi a luz primeira!
Risonhos montes, deleitosos ares!
Eu te saúdo, ó pátria!

Como no peito o coração festeja!
Todo me sinto outro: são delícias
Quando em torno a mim vejo.

Tem outro ar o Céu, outro estas árvores!
Por onde adeja Zéfiro embalsama!...
Dá que te beije ó terra!

Deste que só tu dás prazer, três lustros,
Privado, qual proscrito arrasto a vida
Em forçados errores.

Ó quanto da ventura o ledo aspecto
Das passadas desgraças a lembrança
Nos apresenta viva!

Não houvera prazer se a dor não fora;
Perene fácil gozo, toma a essência
Da fria indiferença.

Aqui foi que eu nasci, devo a existência,
Devo tudo o que sou a ti ó pátria!
Eis-me, é teu quanto valho.

É nos trabalhos que no peito ferve
O nobre patriotismo: o braço, o sangue.
Aqui te entrego ó pátria!

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 2. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1821.

05 março 2015

A ciência consegue responder a todas as perguntas?

Martin Rees

A ciência consegue responder todas as perguntas? Entre os que pensavam que não estava o filósofo francês Auguste Conte. Há mais de cem anos, ele deu o seguinte exemplo de pergunta sem resposta: “Do que são feitas as estrelas?”. E rapidamente provou-se que ele estava errado. Mesmo antes de o século 19 acabar, os astrônomos havia descoberto uma maneira de encontrara a resposta. Quando a luz de uma estrela passa através de um prisma e se espalha num espectro, nós vemos as cores que denunciam as diferentes substâncias – oxigênio, sódio, carbono e o restante. As estrelas são feitas dos mesmos tipos de átomos que encontramos na Terra. Arthur C. Clarke disse uma vez: “Se um cientista idoso declarar que algo é impossível, quase com certeza ele estará errado”. Comte foi apenas um deles.
[...]

Fonte: Brockman, J. & Matson, K., orgs. 1997. As coisas são assim. SP, Companhia das Letras.

03 março 2015

Vênus e Adônis


Paolo [Caliari] Veronese (1528-1588). Venere e Adone. 1580.

Fonte da foto: Museo Nacional del Prado. Outra obra com o mesmo título aqui.

01 março 2015

Um soneto... timorense

Ruy Cinatti

Quando pelas tardes garças se levantam
voando, levitando pontas de asas,
até cair nos dorsos, sofreadas,
de bois que pascigam livremente

o tempo imemorial que lhes foi dado,
meus olhos sorvem, frios, a lembrança
de traça que neguei impunemente,
como se de graça vivesse, renovado.

Se um olhar piedoso, piedade
pudesse por mim ter, abandonado
seguiria teus passos campos fora,

então, como se fora
garça em mais graça, levantando
em farsa de mim próprio, imorredoira.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1970.

eXTReMe Tracker