13 fevereiro 2015

A riqueza de um poeta

Correia Garção

Nas despidas paredes, que me abrigam
No tormentoso Inverno,
A passagem do Grânico não vejo
Em fina lã tecida.
Nem mármores, nem pórfidos luzentes
Nos alizares brilham:
Não tine do Japão na parca mesa
A rara porcelana.
O dourado saleiro não me cega
C’os trêmulos reflexos
De prata. Não se acendem mil bugias
Em tortas serpentinas.
Porém Virgílio, Sófocles, Homero,
O venusino Horácio,
São as ricas alfaias, que me adornam
A sala majestosa,
Os soberbos escudos, em que pinto
A geração ilustre.
Eles fazem que Ansberto generoso
Seu amigo me chame;
Que o Souza marcial com puro estilo
Gracejando me escreva.
Guarde a terra avarenta nas entranhas
O ouro refulgente.
O Mineiro na roça aflito cave
C’os sórdidos escravos:
Por ignotos sertões exponha a vida
Do bárbaro Tapuia
À seta venenosa, à veloz garra
Do Tigre mosqueado.
Sofra na Linha podre calmaria,
Relâmpagos, e raios:
Para n’Aldeia entrar acompanhado
De descalços Trombetas,
De purpúreas Araras, inquietos
Petulantes Bugios,
Gaste pródiga a mão, em poucas Luas,
O ganho de dois lustros;
Para a vermelha Cruz a brilhar no peito,
Que os fardos encurvaram.
No tegurio paterno não cabendo,
Palácios edifica
Alastrado com pedras o caminho.
Do Guindaste as roldanas
C’o peso do venal Escudo gcmem,
Que o Pórtico remata.
Estúpido não sabe, que apressada
A pálida Doença
Atrás dele caminha: que já chega
Envolta em parda névoa,
A Morte inexorável, derramando
Co’ a fria mão angústias;
Que o leito de cruéis fantasmas cerca,
E que lhe arranca as chaves
Do guardado tesouro; que o reparte
Pelos rotos herdeiros.
E qual sangrado rio enfraquecido
Torna a gastar-se em sogas!
Com ouro não se compra um nome digno
Da póstuma memória.

Fonte (22 primeiros versos): Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 1. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1778.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker