29 janeiro 2015

Enfisema pulmonar

Sebastião Nunes

duas e meia da tarde. 10 de junho de 1984.
mãos secas. pés juntos. algodoais no nariz.
véu negro sobre o rosto: tímido noivo de vermes.
rotineira terra roxa sobre o cadáver de cera.

vai embora levi e seus 40 quilos de osso.
vai embora o enfisema: missão cumprida.
vão embora pescarias. cigarros de palha. tosses.
revólver na cintura. carteados. o olho de cobra.

o coveiro sua e pragueja: antes ele do que eu.
foi tudo muito rápido. silencioso. sem queixas.
1 metro e 58 e nunca confessou nada. nem a padre.
nunca pediu nada. nunca aceitou nada. nem de deus.

tão pequeno para um orgulho tão grande.
feroz como todos os pequenos. duro como diamante.
até que finalmente tudo passou – e nada.
que diferença faz? séculos ou mitos ou segundos.
grandes ilusões rastejam entre lagartixas.

e então é verdade: então a vida não passa disto:
um sopro: um cisco no olho: um sopro: e nada.

Fonte (primeira estrofe): Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema publicado em livro em 1985.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker