29 março 2014

À morte de uma corça

António Manuel Couto Viana

Dois olhos verdes, subitamente,
Galgam a noite.
Nenhum capim ou pedra onde o animal se acoite:
Olha-me frente a frente.

O seu doirado corpo, esguio, erecto,
É um frémito de medo.
E outra vez sou menino, ante o brinquedo
Belo e secreto.

Porque é que o antigo instinto agora em mim descubro?
Porque me vem à tona a brava natureza?
– A alegria de possuir tanta beleza
Num estampido rubro.

Alguém (fui eu?), terrível como um deus,
Soltou a morte dos seus muros de aço.
E a corça tombou, abrindo, ao espaço,
Gestos brancos de adeus.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia dapoesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1954.

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