21 agosto 2012

Muito longe de casa

Ishmael Beah

1.
Ouvíamos tantos tipos de histórias sobre a guerra que parecia que ela estava acontecendo numa terra distante e desconhecida. Somente quando os refugiados passaram a cruzar nossa cidade começamos a perceber que, na verdade, a guerra estava ocorrendo em nosso país. Famílias que haviam caminhado centenas de quilômetros relataram como seus parentes foram mortos e suas casas, queimadas. Algumas pessoas se comoveram com aquilo e ofereceram um lugar para os refugiados ficarem, mas a maioria recusou, dizendo que a guerra chegaria em algum momento até nossa cidade. As crianças dessas famílias não olhavam para nós e pulavam do chão ao menor ruído, como madeira sendo cortada ou pedras aterrissando nos telhados de estanho, arremessadas por outras crianças que caçavam pássaros com estilingues. Os adultos que vinham junto com as crianças dessas zonas de guerra perdiam-se em seus próprios pensamentos durante as conversas com os mais velhos da minha cidade. Além do cansaço e da má nutrição, era evidente que eles tinham visto alguma coisa que os atormentava, algo que nós nos recusaríamos a aceitar se nos contassem tudo. Às vezes eu achava que as histórias contadas por esses viajantes eram exageradas. As únicas guerras que eu conhecia eram as que eu tinha lido nos livros ou visto em filmes como Rambo: programado para matar, e aquela da vizinha Libéria, sobre a qual eu tinha ouvido na rádio BBC. Minha imaginação, aos dez anos de idade, não tinha a capacidade de compreender o que poderia ter roubado a felicidade dos refugiados.
[...]

Fonte: Beah, I. 2007. Muito longe de casa. RJ, Ediouro.

1 Comentários:

Anonymous Neilton disse...

Amo esse livro!
Já li a uns 3 anos, mas ele musou meu modo de pensar...

21/8/12 23:44  

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