31 agosto 2012

A estrutura do comportamento

Maurice Merleau-Ponty

1.
A análise científica do comportamento é definida de início por oposição aos dados da consciência ingênua. Se estou em uma sala escura e uma mancha luminosa aparece sobre a parede e aí se desloca, direi que ela ‘atraiu’ minha atenção, que voltei os olhos ‘em direção’ a ela, que em todos os seus movimentos ela ‘arrasta’ meu olhar. Apreendido do interior, meu comportamento parece como que orientado, dotado de uma intenção e de um sentido. A ciência parece exigir que rejeitemos esses caracteres como aparências sob as quais é preciso descobrir uma realidade de um outro gênero. Dir-se-á que a luz vista não está ‘senão em nós’. Ela encobre um movimento vibratório que, ele próprio, não é jamais dado à consciência. Chamemos ‘luz fenomenal’ a aparência qualitativa, e ‘luz real’ o movimento vibratório. Uma vez que a luz real não é nunca percebida, ela não saberia se apresentar como um fim em direção ao qual se orienta meu comportamento. Ela não pode ser pensada senão como uma causa que age sobre o meu organismo. [...] Enfim, se a mancha luminosa se desloca e meu olho a segue, devo ainda aqui compreender o fenômeno sem nele introduzir nada que se assemelhe a uma intenção. Sobre minha retina considerada, não como uma tela qualquer, mas como um receptor ou muito mais como um conjunto de receptores descontínuos, não existe, falando com propriedade, movimento da luz. [...] Assim, a partir do momento em que cessamos de nos fiar nos dados imediatos da consciência e queremos construir uma representação científica do organismo, parece que somos conduzidos à teoria clássica do reflexo – isto é, a decompor a excitação e a reação em uma multidão de processos parciais, exteriores uns aos outros no tempo como no espaço. [...]

[...] Se o comportamento parece intencional, é que ele é regulado por certos trajetos nervosos preestabelecidos de tal maneira que de fato eu obtenha satisfação. A atividade ‘normal’ de um organismo não é mais que o funcionamento desse aparelho montado pela natureza; não existem normas verdadeiras, existem apenas efeitos. A teoria clássica do reflexo e os métodos de análise real e de explicação causal dos quais ela não é senão uma explicação parecem os únicos capazes de constituir uma representação científica e objetiva do comportamento. O objeto da ciência se define pela exterioridade mútua das partes ou dos processos.

Ora, é um fato que a teoria clássica do reflexo é ultrapassada pela fisiologia contemporânea. Seria suficiente melhorá-la ou deve-se mudar de método? A ciência mecanicista teria falhado na definição da objetividade? A clivagem do subjetivo e do objetivo teria sido mal feita, a oposição de um universo da ciência, inteiramente fora de si, – e de um universo da consciência, definido pela presença total de si a si, seria insustentável? [...]

Fonte: Merleau-Ponty, M. 1975 [1942]. A estrutura do comportamento. BH, Interlivros.

29 agosto 2012

Chamdrîm


Vem, Chamdrîm feiticeiro, com a tua luz concreta,
Transformar as casas de churtas em casas de prata,
E deixar que os fazares penetrem oiteiros
Em busca de bambus com que tecer sobrevivência!

O Mandovi e o Zuari, fios de lágrimas salgadas,
Abrigam deuses tisnados e humildes,
Que nas noites escuras regressam tristes
Com alforrecas nas redes e com as tonas vazias.

Vem, Chamdrîm, rei do firmamento nocturno,
Perolizar, com as tuas tintas mágicas,
Os troncos nus de curumbins crestados pelo sol
– Velas derretendo no perene meio-dia!

Vem rasgar o mistério das aldeias moribundas
Onde serpentes venenosas mordem a noite.
A morte espia os camponeses, no regresso das várzeas,
Banhados em suor de terra – com olhos nos pés!

Vem, Chamdrîm, alumiar poços e regatos,
Onde mainatos, vergados, lutam com a imundície.
Sem ti, o sol tropical ardia crânios...
Por isso, Chamdrîm, és o deus dos pobres!

Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura. Poema publicado em livro em 1962.

27 agosto 2012

Mercado de escravos


Gustave Boulanger (1824-1888). Le marche aux esclaves. C. 1882.

Fonte da foto: Wikipedia.

25 agosto 2012

Era uma noite perfeitamente comum

C. P. Snow

[Introdução]
Era uma noite perfeitamente comum no jantar solene do Christ’s, exceto pelo fato de que Hardy era um dos convidados. Acabava de voltar a Cambridge, como professor da cadeira Sadler, e eu ficara sabendo alguma coisa a seu respeito através de jovens matemáticos de Cambridge. Estavam deliciados em tê-lo de volta: era um matemático de verdade, diziam, não era como os Diracs e Bohrs de quem os físicos estavam sempre falando: era o mais puro dos puros. Também era heterodoxo, excêntrico, radical, pronto a falar sobre qualquer coisa. Isso foi em 1931, e ainda não se usava a expressão, mas em tempos mais recentes diriam que, de um modo indefinível, ele tinha a qualidade do astro.

Assim, do meu lugar na mesa, a distância, continuei a estudá-lo. Ele tinha então uns cinqüenta e poucos anos: o cabelo já estava grisalho, coroando uma pele tão profundamente queimada pelo sol que adquirira uma espécie de bronzeado índio. Tinha o rosto bonito – maçãs salientes, nariz fino, espiritual e austero, mas capaz de dissolver-se nas convulsões de um contentamento como que de menino. Tinha olhos de um castanho opaco, brilhantes como olhos de pássaros – um tipo de olho que não é incomum entre os que têm o dom do pensamento conceitual. Cambridge, naquela época, estava repleta de rostos incomuns e distintos – mas, mesmo assim, pensei naquela noite que Hardy se destacava.
[...]

Conforme tive a oportunidade de perceber mais tarde, Hardy não confiava em intuições ou impressões, suas ou dos outros. A única maneira de avaliar o conhecimento de alguém, na opinião de Hardy, era examiná-lo. Isso valia para matemática, literatura, filosofia, política, qualquer coisa que se possa imaginar. Se o homem blefava e depois sucumbia às perguntas, azar dele. Naquela mente brilhante e concentrada, as coisas mais importantes vinham em primeiro lugar.
[...]

No início do verão de 1947, eu estava tomando o café da manhã quando o telefone tocou. Era a irmã de Hardy. Ele estava gravemente enfermo; será que eu podia ir a Cambridge imediatamente? Podia ir ao Trinity primeiro? Na ocasião, não captei o significado do segundo pedido. Mas obedeci e, na portaria, encontrei um recado dela: eu devia ir aos aposentos de Donald Robertson, pois ele estava esperando por mim.
[...]

Eu gostava de Donald Robertson, mas o encontrava apenas em festas e nos jantares solenes do Trinity. Essa foi a primeira ocasião em que conservamos intimamente. Ele disse, com delicada firmeza, que eu devia visitar Hardy tantas vezes quanto pudesse; seria difícil, mas era uma obrigação; provavelmente não seria por muito tempo. Estávamos ambos arrasados. Despedimo-nos e nunca mais o vi.
[...]

Depois disso, fui a Cambridge pelo menos uma vez por semana. Eu temia cada visita, mas, logo de início, ele disse que aguardava ansiosamente o dia de me ver. Falava um pouco sobre a morte, quase sempre que eu o via. Ele queria morrer, não tinha medo: o que havia a temer no nada? Seu severo estoicismo intelectual tinha voltado. Não tentaria matar-se novamente. Não era bom nisso. Estava preparado para esperar. Com uma incoerência que poderia tê-lo vexado – pois ele, como a maioria dos que com ele conviviam, acreditava na racionalidade a um ponto que me parecia irracional –, mostrava uma intensa curiosidade hipocondríaca pelos próprios sintomas. Constantemente estudava o edema dos tornozelos: estava maior ou menor naquele dia?
[...]

Fonte: Hardy, G. H. 2000 [1940]. Em defesa de um matemático. SP, Martins Fontes. O texto acima, de C. [Charles] P. [Percy] Snow, foi acrescentado à edição de 1964 do livro de G. [Godfrey] H. [Harold] Hardy.

23 agosto 2012

Cigarra

João Accioli

Nessa atitude plácida e brejeira,
o hemíptero boêmio não se cansa
de viver repetindo, a vida inteira,
a mesma toada para a mesma dança.

Eu comparo a cigarra a toda criança,
que só enxerga na vida uma clareira
de sonhos, de brinquedos, de folgança...
Sonhando ela é feliz. Desta maneira,

despreocupadas vivem as cigarras
em cada canto verde de floresta
estridulando lúbricas fanfarras.

Ouço mil sons de original concerto!
Cantam cigarras na capoeira, perto.
Cada arvoredo é um arraial em festa!

Fonte (com pequenos ajustes): Lenko, K. & Papavero, N. 1979. Insetos no folclore. SP, Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas. Poema publicado em livro em 1937.

21 agosto 2012

Muito longe de casa

Ishmael Beah

1.
Ouvíamos tantos tipos de histórias sobre a guerra que parecia que ela estava acontecendo numa terra distante e desconhecida. Somente quando os refugiados passaram a cruzar nossa cidade começamos a perceber que, na verdade, a guerra estava ocorrendo em nosso país. Famílias que haviam caminhado centenas de quilômetros relataram como seus parentes foram mortos e suas casas, queimadas. Algumas pessoas se comoveram com aquilo e ofereceram um lugar para os refugiados ficarem, mas a maioria recusou, dizendo que a guerra chegaria em algum momento até nossa cidade. As crianças dessas famílias não olhavam para nós e pulavam do chão ao menor ruído, como madeira sendo cortada ou pedras aterrissando nos telhados de estanho, arremessadas por outras crianças que caçavam pássaros com estilingues. Os adultos que vinham junto com as crianças dessas zonas de guerra perdiam-se em seus próprios pensamentos durante as conversas com os mais velhos da minha cidade. Além do cansaço e da má nutrição, era evidente que eles tinham visto alguma coisa que os atormentava, algo que nós nos recusaríamos a aceitar se nos contassem tudo. Às vezes eu achava que as histórias contadas por esses viajantes eram exageradas. As únicas guerras que eu conhecia eram as que eu tinha lido nos livros ou visto em filmes como Rambo: programado para matar, e aquela da vizinha Libéria, sobre a qual eu tinha ouvido na rádio BBC. Minha imaginação, aos dez anos de idade, não tinha a capacidade de compreender o que poderia ter roubado a felicidade dos refugiados.
[...]

Fonte: Beah, I. 2007. Muito longe de casa. RJ, Ediouro.

19 agosto 2012

In memoriam

Alfred Tennyson

Ó, mas confiamos que quiçá o bem
Seja a derradeira meta do mal,
Para as agonias da natureza, os vícios da vontade,
Os delitos da dúvida e máculas de sangue:

Que nada caminhe por si a esmo;
Que vida nenhuma seja destruída,
Ou lançada como entulho ao grande nada,
Quando Deus houver a pira rematado;

Que verme algum seja fendido em vão;
E mariposa alguma, num vão desejo,
Seja engelhada em fogo estéril,
Ou sucumba ao ganho alheio.

Vê, nada é o que sabemos;
Creio apenas que o bem advirá
Enfim – ao longe – enfim, a todos,
E todo inverno se tornará primavera.

Assim se esvai o sonho meu: mas o que sou eu?
Uma criança chorando na noite:
Uma criança clamando por luz:
Sem outra língua que não o pranto.

Fonte: Gould, S. J. 1997. Dinossauro no palheiro. SP, Companhia das Letras. O poema inteiro, publicado em livro em 1850 com o título completo de “In memoriam A. H. H. Obiit MDCCCXXXIII”, tem 133 cantos. O trecho acima corresponde ao Canto 54.

17 agosto 2012

Um zumbido dá-me a imensa


Um zumbido dá-me a imensa
alegria. Oiço os anéis
de ouro. O roseiral mostra-me
o seu sentido verdadeiro.

Não sei o que é o oculto.
Os espinhos são rosas.
Mudar as antíteses, criar
um grande espaço em volta

dos tímpanos. Não ter
fidelidade à Natureza. Que
insecto a rói? Uma página
tapa-a com celulose.

Abrem as cancelas de luz
da tipografia. As colméias
são arbustos. Não me surpreende
a mudança insignificante.

Foi assim que conheci
o mundo. Não digo que fossem
nomes simples. Logo que
a grande emoção com patas

ou um insecto representante
da Natureza chegou. Soube
que já haviam mudado.
Tornou-se difícil evitar

distinguir as dissemelhanças.
As figuras de estilística
não são figuradas. De dentro
da minha orelha posso extrair

a abelha dourada. Mas não desejo
sacrificar-me às metáforas.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1991.

15 agosto 2012

Após o baile


Henri-Lucien Doucet (1856-1895). Après le bal. 1889.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 agosto 2012

Mergulho na escuridão

Robert Kurson

1.
A vida de Bill Nagle mudou no dia em que um pescador sentou-se ao lado dele em um barzinho pé-sujo e lhe falou de um mistério que, segundo ele havia descoberto, jazia no fundo do oceano Atlântico. Contra o que seria ajuizado, aquele pescador prometeu dizer a Nagle como achá-lo. Os homens marcaram um encontro para o dia seguinte, no periclitante píer de madeira que levava ao barco de Nagle, o Seeker, uma embarcação que ele havia construído para ir em busca de possibilidades. Porém, na hora marcada, o pescador não apareceu. Nagle ficou andando de um lado para o outro, tomando cuidado para não pisar em alguma tábua podre do píer e cair no mar. Tinha passado grande parte da vida no Atlântico, e sabia quando as coisas estavam para mudar. Em geral, era antes de uma tempestade, ou quando a embarcação de alguém sofria avarias. Hoje, porém, tinha certeza de que seria quando o pescador lhe entregasse um pedaço de papel, uma série de números escritos à mão que o levaria ao mistério submerso. Nagle procurava o pescador ao longe. Não via ninguém. O vento carregado de maresia fustigava a cidadezinha litorânea de Brielle, inclinando os barcos ancorados no cais e borrifando o Atlântico nos olhos de Nagle. Quando a bruma se desfez, ele tornou a procurar. Dessa vez, viu o pescador se aproximando, com um papelzinho amassado nas mãos. O pescador parecia preocupado. Como Nagle, tinha vivido no oceano, e também sabia quando a vida de um homem estava para mudar.

Quando o outono se aproxima, de mansinho, todo o verniz de Bielle desaparece, e o que fica é a Brielle verdadeira, a dos habitantes do lugar. Esta cidadezinha no centro do litoral de Nova Jersey é onde os capitães de embarcações e os pescadores moram, onde os proprietários de lojas de conveniência deixam os estabelecimentos abertos para servir os vizinhos, onde crianças de quinta série podem consertar redes de pescar ostras. É onde os parasitas, os maria-vai-com-as-outras, os joão-ninguém e ex-famosos continuam acreditando no mar. Em Brielle, quando os fregueses vão embora, as rugas da cidade aparecem, abertas pelo limite sutil entre ganhar a vida na água e ir por água abaixo.
[...]

Fonte: Kurson, R. 2005. Mergulho na escuridão. SP, Landscape.

12 agosto 2012

Setenta meses no ar

F. Ponce de León

Neste domingo, 12/8, o Poesia contra a guerra completa cinco anos e dez meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 177.563 visitas foram registradas ao longo desse período.

Desde o balanço mensal anterior – Sessenta e nove meses no ar – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: C. Barry Cox, Carvalho Júnior, G. Tyler Miller Jr., Helena Ortiz, J. O. Ayoade, Joseph Townsend, Lina Tâmega Peixoto, Lucia Fonseca, Peter D. Moore, Scott E. Spoolman e Thomaz Brandolin. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Colin Campbell Cooper Jr., Louise Catherine Breslau e Mary Agnes Yerkes.

10 agosto 2012

Treze maneiras de olhar para um melro


1.
Em vinte montanhas nevadas
Só uma coisa se movia:
O olho do melro.

2.
Eu estava entre três opções,
Como árvore
Em que pousaram três melros.

3.
O melro girava no vento outonal.
Era um figurante na pantomima.

4.
Um homem mais uma mulher
Dá um.
Um homem mais uma mulher mais um melro
Dá um.

5.
Não sei se prefiro
A beleza das inflexões
Ou a das insinuações,
O assovio do melro
Ou o instante depois.

6.
O gelo cobria a longa janela
Com bárbaros cristais.
A sombra do melro
Cruzava de lá para cá.
E na sombra
Desenhou-se
Uma causa indecifrável.

7.
Ó homens magros de Haddam,
Por que sonhais aves douradas?
Acaso não vedes o melro
A caminhar por entre os pés
Das mulheres que vos cercam?

8.
Sei de nobres canções,
E ritmos lúcidos, irresistíveis;
Mas sei também
Que o melro tem a ver
Com o que sei.

9.
Quando voou além de onde a vista alcança,
O melro demarcou o limite
De um de muitos círculos.

10.
Ao ver melros voando
Numa luz esverdeada,
Mesmo os cáftens da eufonia
Exclamariam espantados.

11.
Ele atravessava Connecticut
Num tílburi de vidro.
Certa vez teve medo:
Por um instante pensou
Que a sombra da carruagem
Eram melros.

12.
O rio está correndo.
O melro deve estar voando.

13.
Era noite, a tarde toda.
Nevava
E ia nevar.
E o melro imóvel
Num galho de cedro.

Fonte: Stevens, W. 1987. Poemas. SP, Companhia das Letras. Poema publicado em livro em 1923.

09 agosto 2012

Londres 2012: números, estimativas e, talvez, algumas lições


Os Estados Unidos devem sair vitoriosos dos Jogos Olímpicos de 2012. Todavia, em relação aos Jogos de 2008, os principais destaques positivos devem ser a França e a Coréia do Sul, enquanto as maiores frustrações devem ficar por conta da Austrália e do Japão.

*

Encerradas as disputas de medalhas dessa quarta-feira (8/8), nos Jogos Olímpicos de 2012 (Londres, Inglaterra: de 27/7 a 12/8), a contagem oficial (ver ‘Medal count) indica que as oito primeiras posições estão ocupadas neste momento pelas seguintes delegações (entre parêntesis, o número de medalhas de ouro, prata e bronze, respectivamente): China (36, 22, 16), Estados Unidos (34, 22, 25), Grã-Bretanha (22, 13, 13), Coréia do Sul (12, 7, 6), Rússia (11, 19, 22), França (8, 9, 11), Alemanha (7, 15, 10) e Itália (7, 6, 4).

Faltam quatro dias de disputas. Não sei exatamente quantas e quais medalhas ainda estão em jogo. Todavia, admitindo que, nos próximos dias, o calendário repita (em termos de modalidades) a mesma sequência dos Jogos Olímpicos de 2008 (Pequim, China: de 8 a 24/8), arrisco dizer que classificação final este ano não deverá fugir muito das seguintes estimativas (entre parêntesis, o número de medalhas de ouro, arredondado para o inteiro mais próximo): Estados Unidos (47), China (43), Grã-Bretanha (26), Rússia (25), Coréia do Sul (20), França (14), Alemanha (10) e Itália (9).

Em 2008, a classificação final indicava, nas primeiras posições, a presença de mais dois países: Austrália e Japão, que terminaram em 6º e 8º lugar, respectivamente. Em 2012, nenhum dos dois deverá aparecer entre os oito primeiros classificados – no momento, arrisco dizer que, na melhor das hipóteses, a Austrália terminará em 9º e o Japão em 10º.

A se confirmarem as previsões com relação aos ganhadores de medalhas de ouro este ano (na parte de cima da classificação, o número de medalhas de ouro é um bom indicador do número total de medalhas), seis dos 10 referidos países deverão melhorar o seu desempenho em relação a 2008, a saber (entre parêntesis, estimativas para o percentual de aumento): França (100%), Coréia do Sul (54%), Reino Unido (37%), Estados Unidos (31%), Itália (12,5%) e Rússia (9%). Os outros quatro deverão ter uma piora (entre parêntesis, o percentual de perda): Austrália (57%), Japão (44%), Alemanha (37,5%) e China (16%).

Trocando em miúdos, a França e a Coréia do Sul sairiam dos Jogos de 2012 como os principais destaques positivos, enquanto a Austrália e o Japão terminariam como destaques negativos. (A rigor, estes dois últimos países estão tendo resultados anômalos: poucas medalhas de ouro em relação ao número total relativamente elevado de medalhas que os seus representantes vêm conquistando.) Nesse sentido, pensando em conseguir um bom desempenho nos Jogos Olímpicos de 2016, ouso dizer que os brasileiros deveriam examinar com mais calma esses casos extremos, tentando, quem saber, responder à seguinte questão: por que alguns países conseguiram melhoras tão expressivas, enquanto outros pioraram? De resto, será que se pode extrair alguma lição útil e duradoura desses casos ou seriam os resultados finais apenas uma questão de sorte ou azar?

08 agosto 2012

Causas das mudanças climáticas

J. O. Ayoade

Uma mudança no clima implica uma mudança na circulação geral da atmosfera, da qual o clima depende em última análise. Contudo, o clima envolve não somente a atmosfera como também a hidrosfera, a biosfera, a litosfera e a criosfera. Estes são os cinco componentes que formam o sistema climático. Este sistema também está sujeito a influências extraterrestres, particularmente a do Sol. Portanto, o clima depende de, ou é determinado por, dois fatores principais:

1.      a natureza dos componentes que formam o sistema climático e as interações entre os vários componentes;

2.      a natureza das condições geofísicas exteriores ao sistema climático e as influências que exercem sobre o sistema climático.

[...] O estado climático em qualquer período depende de três fatores cruciais que são:

1.      a quantidade de energia proveniente do Sol recebida pelo sistema climático;

2.      a maneira pela qual esta energia é distribuída e absorvida sobre a superfície da Terra;

3.      a natureza da interação dos processos entre os vários componentes do sistema climático.

As teorias de mudança climática tentam explicar as variações temporais nos três fatores acima. Contudo, as variações no clima ocorrem em diferentes escalas de tempo e, portanto, podemos requerer diferentes teorias para explicar tais variações. Esta é a razão por que nenhuma teoria isolada de mudança climática foi considerada satisfatória na explicação de todas as variações que ocorreram no clima mundial. Além disso, acredita-se que vários fatores atuam para causar uma mudança no clima. As várias teorias de mudança climática, que foram formuladas pelos vários pesquisadores no decorrer dos anos, podem ser discutidas sob três amplas categoriais, a saber: causas terrestres, astronômicas e extraterrestres [...].

a. Causas terrestres de mudança climática

As teorias das mudanças climáticas pertencentes a este grupo tentam relacionas as mudanças do clima às variações nas condições terrestres. As mudanças na distribuição dos continentes e oceanos acarretariam uma mudança na distribuição de energia e, conseqüentemente, na circulação geral da atmosfera e no clima por causa das diferenças bem conhecidas nas características térmicas das superfícies hídricas e continentais. [...] Também existem teorias relacionadas com mudanças na topografia dos continentes e dos oceanos, particularmente dos primeiros. [...]

Várias outras teorias terrestres de mudança climática estão baseadas em variações na transparência atmosférica. [...]

b. Causas astronômicas de mudança climática

As teorias astronômicas das mudanças climáticas estão baseadas em mudanças na geometria da Terra. As principais são as seguintes: mudanças na excentricidade da órbita terrestre, na precessão dos equinócios, e na obliqüidade do plano da eclíptica. [...]

c. Causas extraterrestres de mudança climática

As teorias das causas extraterrestres sobre as mudanças climáticas postulam alterações na quantidade de energia solar que chega à Terra, por causa de mudanças no output solar ou por causa de mudanças na quantidade de radiação solar absorvida no exterior da atmosfera terrestre. [...]

Fonte: Ayoade, J. O. 1986 [1983]. Introdução à climatologia para os trópicos. SP, Difel.

06 agosto 2012

Kanchenjunga


Colin Campbell Cooper Jr. (1856-1937). Kanchenjunga, The Himalayas. 1914.

Fonte da foto: The Athenaeum.

04 agosto 2012

Dissertação sobre as leis dos pobres

Joseph Townsend

Para um homem de sensibilidade comum nada há mais aflitivo que ouvir queixas de miséria, que ele não tem o poder de evitar, ou ter contato diário com infortúnios de que não pode fugir e não pode aliviar. É essa a situação atual do clero que, em virtude de seu ofício, é obrigado a visitar as habitações dos pobres. (...)

Tais leis (dos pobres), tão belas em teoria, promovem os males que querem remediar e agravam a aflição que deveriam aliviar. (...)

A esperança e o medo são as molas da operosidade. O papel de um bom político é fortalecê-las; mas nossas leis enfraquecem uma e destroem o outro. Qual será o encorajamento do pobre para ser operoso e frugal, quando sabe, com certeza, que se aumentar suas reservas elas serão consumidas pelos parasitas? E por que deveriam temer, quando lhes afirmam que, se fossem reduzidos à penúria pela indolência e pela extravagância, pela bebida e pelos vícios, seriam abundantemente providos não só com alimentos e roupas como, também, com luxos costumeiros, a expensas de outrem? Os pobres pouco sabem dos motivos – orgulho, honra e ambição – que estimulam as classes mais elevadas à ação. Somente a fome, em geral, os incita ao trabalho; nossas leis, no entanto, disseram que jamais passarão fome. É preciso dizer que as leis também disseram que eles serão compelidos a trabalhar. Mas a imposição da lei acarreta tanto distúrbio, tanta violência e tanto barulho, promove má vontade e nunca produz serviço bom e aceitável, ao passo que a fome não só exerce pressão passiva e silenciosa como, também, sendo o motivo natural que leva à operosidade e ao trabalho, produz os mais poderosos esforços; e quando satisfeita pela mão caridosa de outrem, constrói alicerces duradouros e seguros para a boa vontade e a gratidão. (...)

Aquele que regularmente emprega o pobre em trabalho útil é seu único amigo; aquele que somente o alimenta é o pior inimigo. Suas esperanças e seus receios deveriam centralizar-se em si mesmos. (...)
[...]

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Companhia Editora Nacional & Edusp. Texto originalmente publicado em 1786.

02 agosto 2012

Não há vagas


O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1975.

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