23 maio 2012

Os guardiões de privilégios

Bolivar Costa

Os grandes burocratas da administração civil e os oficiais graduados das forças armadas compõem a subcamada mais estável da classe média superior. Protegidos por uma constelação de privilégios inerentes aos cargos que ocupam (estabilidade funcional, vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos, entre outros), gozam, ao menos formalmente, de certa independência.
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O caso dos militares graduados, particularmente nos países dependentes, reveste-se de características específicas. Preparados nas academias de guerra para a aplicação dos princípios e regras da tática e da estratégia nos campos de batalha, a maior parte da oficialidade eleva-se hierarquicamente sem jamais deparar-se com a oportunidade de colocar em prática seus conhecimentos técnicos, a não ser na exterioridade teatral das manobras militares. Com o passar dos anos, essa inoperância profissional, agravada pela medíocre rotina da vida da caserna, transforma-se em frustração. Ao mesmo tempo, a inevitável comparação das despreparadas forças armadas a que pertence com as altamente sofisticadas máquinas militares das grandes potências constituiu ponderável fator de fixação do complexo de superfluidade que marca tão profundamente a grande burocracia armada das áreas subdesenvolvidas.
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Responsáveis, em última análise, pela formulação teórica e execução da política de preservação do sistema, os grandes burocratas do serviço público constituem, de fato, o segmento menos independente das classes médias. Por força da posição fundamental que ocupam na estrutura do poder e do caráter absolutamente instrumental de sua função no aparelho do estatal, dificilmente conseguem ter interesses diversos dos da oligarquia, sem que sejam por isso expurgados. A realização suprema dessa camada consiste, essencialmente, na fruição material e moral das delícias propiciadas pela detenção de considerável parcela de poder. Embora a maioria desses elementos mantenha comportamento caracteristicamente pequeno-burguês, sobretudo no âmbito familiar, a projeção funcional torna-lhe supérflua a a capacidade de aspirar a uma integração no núcleo do sistema, sem, contudo, proporcionar-lhe, em toda a plenitude, as vantagens do poder.

Fonte: Costa, B. 1974. O drama da classe média. RJ, Paz e Terra.

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