21 janeiro 2010

A sociedade de consumo

Jean Baudrillard

À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objectos, dos serviços, dos bens materiais, originando como que uma categoria de mutação fundamental na ecologia da espécie humana. Para falar com propriedade, os homens da opulência não se encontram rodeados, como sempre acontecera, por outros homens, mas mais por objectos. O conjunto das suas relações sociais já não é tanto o laço com os semelhantes quanto, no plano estatístico segundo uma curva ascendente, a recepção e a manipulação de bens e de mensagens, desde a organização doméstica muito complexa e com suas dezenas de escravos técnicos até ao “mobiliário urbano” e toda a maquinaria material das comunicações e das actividades profissionais, até ao espectáculo permanente da celebração do objecto na publicidade e as centenas de mensagens diárias emitidas pelo “mass media”; desde o formigueiro mais reduzido de quinquilharias vagamente obsessivas até aos psicodramas simbólicos alimentados pelos objetcos nocturnos, que vêm invadir-nos nos próprios sonhos. Os conceitos de “ambiente” e de “ambiência” só se divulgaram a partir do momento em que, no fundo, começávamos a viver menos na proximidade dos outros homens, na sua presença e no seu discurso; e mais sob o olhar mudo de objectos obedientes e alucinantes que nos repetem sempre o mesmo discurso – isto é, o do nosso poder medusado, da nossa abundância virtual, da ausência mútua de uns nos outros. Como a criança-lobo se torna lobo à força de com eles viver, também nós, pouco a pouco, nos tornamos funcionais. Vivemos o tempo dos objectos: quero dizer que existimos segundo o seu ritmo e em conformidade com a sua sucessão permanente. Actualmente, somos nós que os vemos nascer, produzir-se e morrer, ao passo que em todas as civilizações anteriores eram os objectos, instrumentos ou monumentos perenes, que sobreviviam às gerações humanas.

Os objectos não constituem nem uma flora nem uma fauna. No entanto, sugerem a impressão de vegetação proliferante e de selva em que o novo homem selvagem dos tempos modernos tem dificuldade em reencontrar os reflexos da civilização. A fauna e a flora que o homem produziu, que o assediam e atacam como nos maus romances de ficção científica, importa descrevê-las rapidamente como as contemplamos e vivemos – sem olvidar jamais que elas, no fausto e na profusão correspondentes, constituem o produto de uma actividade humana, sendo dominadas, não por leis ecológicas naturais mas pela lei do valor de troca.
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Fonte: Baudrillard, J. 1981 [1970]. A sociedade de consumo. Lisboa, Edições 70.

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