27 novembro 2009

Carniça-de-consolo

Gerard Manley Hopkins

Não, não, carniça-de-consolo, Desespero, não me deleitarei em ti;
Não desfarei – frouxas que estejam – estas últimas amarras do humano
Em mim; nem, tão exausto, clamarei: “Não posso mais!”. Eu posso;
Posso algo: ter esperança, querer novo dia, não escolher não ser.

Mas, ah!, Ó Terrível, por que assim tão rude sobre mim a rocha
Deste teu pé direito torce-mundo? Esta pata leonina? Por que perscrutar
Com olhos soturnos, devoradores, meus ossos machucados? por que joeirar-me
Oh! em rodopios de tormenta – a mim, ali acuado, desvairado, a evitar-te, a escapar?

Por quê? para que a palha voe e reste-me o grão puro e claro.
Não, em toda essa labuta, esse tumulto, pois que (parece) beijei-te a vara,
Talvez a mão – meu coração, vê! sorveu ânimo, furtou gozo, quis rir, saudar –
Saudar a quem? ao herói, cujo trato celeste arremessou-me, espezinhou-me,
Ou a mim que lhe opus luta? A qual dos dois? A cada qual? Aquela noite, aquele ano,
Da treva ora dispersa, eu, miserável, fiquei lutando com (Deus meu!) o meu Deus.

Fonte: Hopkins, G. M. 1989. Poemas. SP, Companhia das Letras. Poema publicado em livro em 1918.

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