09 abril 2009

Morri, ó minha bela

Tomás Antônio Gonzaga

Morri, ó minha bela:
não foi a Parca ímpia,
que na tremenda roca,
sem ter descanso, fia;
não foi, digo, não foi a morte feia
quem o ferro moveu e abriu no peito
a palpitante veia.

Eu, Marília, respiro;
mas o mal, que suporto,
é tão tirano e forte
que já me dou por morto:
a insolente calúnia depravada
ergueu-se contra mim, vibrou da língua
a venenosa espada.

Inda, ó bela, não vejo
cadafalso enlutado,
nem de torpe verdugo
braço de ferro armado;
mas vivo neste mundo, – ó sorte ímpia! –
e dele só me mostra a estreita fresta
o quando é noite, ou dia.

Olhos baços, sumidos,
macilento, escarnado,
barba crescida e hirsuta,
cabelo desgrenhado;
ah! que imagem tão digna de piedade!
mas é, minha Marília, como vive
um réu de Majestade.

Venha o processo, venha,
na inocência me fundo;
mas não morreram outros,
que davam honra ao mundo?
O tormento, minha alma, não recuses:
a quem, sábio, cumpriu as leis sagradas
servem de sólio as cruzes.

Tu, Marília, se ouvires,
que ante o teu rosto aflito
o meu nome se ultraja
co suposto delito,
dize, severa, assim em meu abono:
– Não toma as armas contra um cetro justo
alma digna de um trono.

Fonte: Gonzaga, T. A. 2000. Tomás Antônio Gonzaga, 4ª edição RJ, Agir. Poema originalmente publicado em 1802.

1 Comentários:

Blogger Judô e Poesia disse...

Sempre adorei este poema, bem colocado no espaço pacifista deste blog. Abraços. Domingos.

12/4/09 13:27  

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