09 setembro 2008

Marília bela

Alvarenga Peixoto

Marília bela,
vou retratar-te,
se a tanto a arte
puder chegar.
Trazei-me, Amores,
quanto vos peço:
tudo careço
para a pintar.

Nos longos fios
de seus cabelos
ternos desvelos
vão se enredar.
Trazei-me, Amores,
Das minas d’ouro
rico tesouro
para os pintar.

No rosto, a idade
da primavera
na sua esfera
se vê brilhar.
Trazei-me, Amores,
as mais viçosas
flores vistosas
para o pintar.

Quem há que a testa
não ame e tema,
de um diadema
digno lugar?
Trazei-me, Amores,
da selva Idália
jasmins da Itália
para a pintar.

A frente adornam
arcos perfeitos,
que de mil peitos
sabem triunfar.
Trazei-me, Amores,
justos nivéis,
sutis pincéis
para a pintar.

A um doce aceno
dos brandos olhos,
setas a molhos
se vêem voar.
Trazei-me, Amores,
do sol os raios,
fiéis ensaios,
para os pintar.

Nas lisas faces
se vê a aurora,
quando colora
a terra e o mar.
Trazei-me, Amores,
as mais mimosas
pudicas rosas
para as pintar.

Os meigos risos
com graças novas
nas lindas covas
vão-se ajuntar.
Trazei-me, Amores,
aos pincéis leves
as sombras leves,
para os pintar.

Vagos desejos
da boca as brasas
as frágeis asas
deixam queimar.
Trazei-me, Amores,
corais subidos,
rubins partidos,
para a pintar.

Entre alvos dentes,
postos em ala,
suave fala
perfuma o ar.
Trazei-me, Amores,
nas conchas claras,
pérolas raras,
para os pintar.

O colo, Atlante
de tais assombros,
airosos ombros
corre a formar.
Trazei-me, Amores,
jaspe às mãos cheias,
de finas veias,
para o pintar.

Do peito as ondas
são tempestades,
onde as vontades
vão naufragar.
Trazei-me, Amores,
globos gelados,
limões nevados
para o pintar.

Mãos cristalinas,
roliços braços,
que doces laços
prometem dar!
Trazei-me, Amores,
as açucenas,
das mais pequenas,
para as pintar.

A delicada,
gentil cintura
toda se apura
em se estreitar.
Trazei-me, Amores,
ânsias que fervem:
só essas servem
para a pintar.

Pés delicados
ferindo a terra,
às almas guerra
vêm declarar.
Trazei-me, Amores,
as setas prontas
de curtas pontas
para os pintar.

Porte de deusa,
espírito nobre,
e o mais, que encobre
pejo vestal.
Só vós, Amores,
que as Graças nuas
vedes, as suas
podeis pintar.

Fonte: Peixoto, A. 2002. Melhores poemas. SP, Global.

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