15 agosto 2008

Último instante

Manuel Gutiérrez Nájera

Quero morrer ao declinar do dia.
Em alto-mar, quando vem vindo a treva;
Lá me parecerá sonho a agonia,
E a alma uma ave que nos céus se eleva.

Não ouvir nos meus últimos instantes,
A sós com o mar e o céu, humanas mágoas,
Nem mais vozes e preces soluçantes,
Senão o grave retumbar das águas.

Morrer quando, ao crepúsculo, retira
A luz as áureas redes da onda verde,
E ser como esse sol que lento expira:
Algo de luminoso que se perde.

Morrer, e antes que o tempo me destrua
Da mocidade a esplêndida coroa;
Quando inda a vida ouço dizer: sou tua.
Saiba eu embora que nos atraiçoa.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira.

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