27 fevereiro 2008

Não há gentileza, suavidade, calor

Joan

Não há gentileza, suavidade, calor
nesta profunda sepultura.
Minhas mãos apalpam as paredes de rocha
e em cada brecha encontram apenas um negro abismo.
Às vezes o ar se rarefaz.
Então arquejo em busca de novo alento,
embora respire todo o tempo
o mesmo ar desta caverna.
Não existe abertura, nem saída.
Estou prisioneiro.
Mas não sozinho.
Há tanta gente voltada contra mim.
Um estreito raio de luz infiltra-se na caverna,
vindo de uma brecha entre duas rochas.
É escuro aqui dentro.
É úmido e o ar é tão bafiento.
As pessoas são grandes, enormes.
Repetem-se umas às outras ao falar
E suas sombras projetadas nas paredes
seguem-nas quando se movem.
Não sei que aparência tenho,
nem o que parecem tais pessoas.
Elas pisam-me às vezes,
por simples descuido.
É o que creio e espero.
E são pesadas.
Está se tornando cada vez mais apertado aqui dentro
Estou apavorado.
Se sair talvez seja terrível
Mais gente assim estará do lado de fora.
Elas me aniquilarão de todo,
Pois são ainda mais pesadas que
estas daqui, é o que penso.
Breve a gente daqui me pisará
(por engano, creio) tantas vezes que
não restará muito de mim,
e eu me tornarei parte das paredes da caverna.
Então serei um eco e uma sombra,
junto com os outros, aqui,
que se tornaram ecos e sombras.
Deixei de ser forte.
Estou apavorado.
Nada existe para mim, fora daqui.
As pessoas são maiores e me empurrariam
de volta a esta caverna.
A gente lá de fora não me quer.
A gente daqui não me quer
Não importa.
As paredes da caverna são ásperas e rijas.
Breve serei parte delas, rijo
E inamovível também. Tão rijo.

Fonte: Laing, R. D. 1975 [1960]. O eu dividido, 2ª edição. Petrópolis, Vozes. Texto redigido por mulher descrita como esquizofrênica em artigo originalmente publicado em 1956.

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