31 janeiro 2008

Sobre o código genético

John Maynard Smith & Eörs Szathmáry

[...] [A]minoácidos quimicamente parecidos tendem a ser codificados por códons parecidos. Por exemplo, o ácido aspártico e o ácido glutâmico são quimicamente semelhantes: o ácido aspártico é codificado pelo códons GAU e GAC e o ácido glutâmico pelos códons GAA e GAG. Uma análise mais geral confirma que, a esse respeito, o código está longe de ser aleatório. Por que deveria ser adaptativo que aminoácidos parecidos sejam codificados por códons parecidos? Duas razões plausíveis têm sido sugeridas. Primeiro, se um erro é cometido durante a síntese protéica, o efeito na função da proteína provavelmente será bastante pequeno. Segundo, é menos provável que as mutações sejam deletérias.

Uma segunda característica não-aleatório do código diz respeito à sua redundância. Aminoácidos podem ser codificados por um, dois, três, quatro ou seis códons diferentes. Em geral, os aminoácidos que são comuns entre as proteínas tendem a ser especificados por mais códons: por exemplo, leucina e serina (ambas com seis códons) são mais freqüentes em proteínas do que o triptofano (um códon). Mas provavelmente seria errado interpretar isso como uma característica adaptativa do código. É mais provável que seja uma conseqüência não selecionada do código ser como ele é. Portanto, haverá mais mutações para serina e leucina do que para triptofano. Se pelo menos algumas modificações de aminoácidos forem seletivamente neutras, a observada associação entre abundância de proteínas e redundância será previsível. Há também evidências nítidas de que a seleção impediu que a abundância de proteínas correspondesse precisamente à redundância. Por exemplo, as freqüências dos aminoácidos ácidos (ácido aspártico e ácido glutâmico) e básico (arginina e lisina) são aproximadamente iguais, como seria previsto, na medida em que o pH intracelular é neutro. Mas, considerando a redundância de códons, esperaríamos que os aminoácidos básicos fossem duas vezes mais freqüentes que os ácidos.

Permanece a questão sobre a existência ou não de alguma razão química para determinados códons terem se associado com determinados aminoácidos. A alternativa é que as designações foram quimicamente arbitrárias, assim como a atribuição de sentidos às palavras na linguagem humana é essencialmente arbitrária. Segundo esse pressuposto, pode haver uma razão para o fato de os dois primeiros nucleotídeos nos códons do ácido glutâmico e do ácido aspártico serem os mesmo, mas é apenas por mero acidente que eles são GA e não, por exemplo, AU. A questão permanece em aberto, mas é claro que qualquer especificidade química que possa ter existido não foi, por si mesma, suficiente para determinar o código: a evolução de enzimas designadoras permanece um passo crucial a ser explicado.

Fonte: Maynard Smith, J. & Szathmáry, Eörs. 2001. Linguagem e vida. In Murphy, M. P. & O’Neill, L. A. J., orgs. “O que é vida?” 50 anos depois. SP, Editora da Unesp.

30 janeiro 2008

Chegando no Moulin Rouge


Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901). La Goulue entrant au Moulin-Rouge. 1892.

Fonte da foto: Wikipedia.

28 janeiro 2008

Tabacaria

Álvaro de Campos

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas –,
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas –,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,

E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocotte célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno – não concebo bem o quê –
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do rabo remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.

Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.

Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura. Poema escrito em 1928. Para outros poemas de Fernando Pessoa, clique aqui.

27 janeiro 2008

A arrogância do humanismo

David Ehrenfeld

Vi-me esporadicamente dominado, neste últimos anos, por uma espécie muito singular de sentimento mas, no começo, não consegui dar-lhe um nome nem definir o que era que me inquietava, tampouco pude encontrar um padrão comum entre os episódios que suscitavam tal sentimento. Ela podia surgir – um misto de mágoa, ira e sensação de inutilidade – quando os meus alunos me diziam que estavam estudando para formar-se como “gerentes ambientais”. Esse mesmo sentimento surgia sempre que escutava pais discutindo a necessidade de controlar com medicamentos o comportamento de seus filhos “hipercinéticos”, ou quando lia a respeito de um plano melhorado “com apoio de computador”, graças ao qual o Departamento de Engenharia pretendia controlar as cheias ao longo do rio que corre nos fundos da minha casa. E o sentimento repetiu-se quando, durante um jantar, um estudante finalista de Economia explicou-me em detalhes como as forças do mercado, funcionando de acordo com as leis da oferta e da demanda, garantem que nunca destruiremos mais de nossas férteis terras de lavoura do que nós podemos perder.

Quando as ocasiões para esse sentimento se tornaram cada vez mais freqüentes e compreendi finalmente qual era a ligação óbvia entre os eventos que o causavam; quando vi como a nossa incondicional fé humanística em nossa própria onipotência fornece uma explicação comum para tantas coisas aparentemente diferentes que estão nos acontecendo; quando percebi as terríveis implicações da grande, cada vez maior, discrepância entre a fé na razão e no poder humano que impregna o mundo e a realidade viva da condição humana, então escrevi este livro.
[...]

Fonte: Ehrenfeld, D. 1992 [1981]. A arrogância do humanismo. RJ, Campus.

26 janeiro 2008

Um fragmento

Robert Creeley

Na rua me encontro com hostilidade constante
e eu gostaria finalmente de nada ter ao meu redor,
exceto meus filhos – preparados para o amor
e que tenciono deixar como relíquias de minhas intenções.

Fonte: Creeley, R. 1997. A um. SP, Ateliê Editorial.

25 janeiro 2008

O eu-profeta irado

Mário Chamie

– Mão no cajado
estou na luta.
Estou cercado
de coices e mulas
por todos os lados.

Sempre alerta
assim se dizia irado
o bravo eu-profeta
de mão no cajado.

– Furo o cerco
que me barra
para baixo e para o alto.
Aparo mulas e coices
no meio deste cercado.
Vazo no breu da noite
o negro buraco negro
em que me vejo
lançado.

No centro
de minha luta
aparo coices e mulas
se jogo
no oco deste vazado
o resto
e o rosto do rebotalho.

Irado e alerta
assim terminava
o bravo eu-profeta
cercado por todos os lados:
punho de pedra
pomba zonza no telhado
cuspia fogo
a ponta do seu cajado.

Fonte: Chamie, M. 1998. Caravana contrária. SP, Geração Editorial.

24 janeiro 2008

Morada terrestre

Jorge Carrera Andrade

Habito um castelo de cartas,
Uma casa de areia, um edifício no ar,
E passo os minutos esperando
O desmoronamento do muro, a chegada do raio,
O correio celeste com a última notícia,
A sentença que voa numa vespa,
A ordem como um látego de sangue
Dispersando ao vento uma cinza de anjos.
Então perderei minha morada terrestre
E me encontrarei nu novamente.
Os peixes, os astros,
Remontarão o curso de seus céus inversos.
Tudo que é cor, pássaro ou nome,
Volverá a ser apenas um punhado de noite,
E sobre os despojos de cifras e plumas
E o corpo do amor, feito de fruta e música,
Baixará por fim, como o sonho ou a sombra,
O pó sem memória.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema originalmente publicado em 1922.

23 janeiro 2008

Catedral


John Constable (1776-1837). Salisbury Cathedral, from the Bishop’s Grounds. 1823.

Fonte da foto: Wikipedia.

22 janeiro 2008

Monólogo

Dante Milano

Estar atento diante do ignorado,
Reconhecer-se no desconhecido,
Olhar o mundo, o espaço iluminado,
E compreender o que não tem sentido.
Guardar o que não pode ser guardado,
Perder o que não pode ser perdido.
– É preciso ser puro, mas cuidado!
É preciso ser livre, mas sentido!
É preciso paciência, e que impaciência!
É preciso pensar, ou esquecer,
E conter a violência, com prudência,
Qual desarmada vítima ao querer
Vingar-se, sim, vingar-se da existência,
E, misteriosamente, não poder.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema originalmente publicado em 1948.

21 janeiro 2008

Os que vinham da Dor

Sebastião da Gama

Os que vinham da Dor tinham nos olhos
estampadas verdades crudelíssimas.

Tudo que era difícil era fácil
aos que vinham da Dor diretamente.

A flor só era bela na raiz,
o Mar só era belo nos naufrágios,
as mãos só eram belas se enrugadas,
aos olhos sabedores e vividos
dos que vinham da Dor diretamente.

Os que vinham da Dor diretamente
eram nobres de mais p’ra desprezar-vos,
Mar azul!, mãos de lírio!, lírios puros!

Mas nos seus olhos graves só cabiam
as verdades humanas crudelíssimas
que traziam da Dor diretamente.

Fonte: Melo e Castro, E. M. 1973. O próprio poético. SP, Quíron. Poema originalmente publicado em 1951.

20 janeiro 2008

Fischer versus Petrossian

Leonard Barden

[...]
Parte da razão do imenso interesse do público por [Bobby] Fischer era sua capacidade de produzir suas melhores e mais espetaculares partidas nas ocasiões mais importantes. Isso ocorreu quando se encontrou mais uma vez frente a [Tigran] Petrossian, no ano seguinte, em Buenos Aires, para a eliminatória final na série pelo título de campeão mundial, de onde sairia o desafiante de Boris Spásski. Quando Fischer começou ganhando, a publicidade mundial cresceu, e multidões tomaram o salão para dar uma espiada nos grandes mestres. Fischer respondeu com uma das melhores partidas de sua vida, cujos estágios finais ilustram o poder de seu final favorito: torre(s) e bispo superando torre(s) e cavalo no tabuleiro aberto.

Brancas: R. J. Fischer; pretas: T. Petrossian.
Defesa Siciliana (sétima partida do match de 1971).

Os lances de abertura foram 1. e4 c5 2. Cf3 e6 3. d4 cxd4 4. Cxd4 a6 5. Bd3 Cc6 6. Cxc6 bxc6 (o melhor seria dxc6) 7. 0-0 d5 8. c4!

Ilustrando outro ponto forte de Fisher. Estudando xadrez constantemente, dia e noite, tinha um arsenal magnífico de inovações. Uma partida anterior entre Spásski e Petrossian continuou com 8. Cd2, que é menos eficaz.

8. ... Cf6

8. ... dxc4 9. Bxc4 Dxd1 10. Txd1 pode ser deixado de lado pois debilitaria os peões pretos do flanco da dama, mas as pretas poderiam continuar com Cf6 11. Cc3 Bc5 12. Bg5 e5, obtendo um final melhor do que o ocorrido.

9. cxd5 cxd5
10. exd5 exd5

Cxd5 11. Be4 ou Dxd5 11. Cc3 são bons lances para as brancas, já que seu adversário não tem compensação para seus peões débeis.

11. Cc3 Be7
12. Da4+! Dd7?

Petrossian não está satisfeito com 12. ... Bd7 13. Dd4 ou 13. Dc2, e planeja um sacrifício posicional: 13. Bb5 axb5 14. Dxa8 0-0 15. Da5 d4 16. Cxd4 Bb7, com chances de ataque. Mas Fischer encontra um linha simples que obtém o controle duradouro das casas pretas com a maioria de peões no flanco da dama ainda em reserva.

13. Te1! Dxa4

As pretas são forçadas à troca, trazendo assim o cavalo branco para uma casa ideal onde pode cobiçar as fracas b6 e c5. O roque perderia uma peça com 14. Dxd7.

14. Cxa4 Be6
15. Be3 0-0

Cd7, para garantir as casas pretas, seria um pouco melhor, mas 16. f4 g6 17. Bd4 0-0 18. Tac1 manteria a iniciativa das brancas.

16. Bc5!

Um lance importante para o estudante entusiasta. A eliminação, através da troca, da peça menor inimiga mais ativa é uma das chaves para o jogo posicional. Aqui, as brancas trocam o bispo preto das casas pretas, deixando o adversário com o das casas brancas, que se encontra restringido pelo peões em d5 e a6.

16. ... Tfe8
17. Bxe7 Txe7
18. b4!

Evita ... a5 e, assim, fixa um peão débil onde pode ser atacado pelo cavalo e pelo bispo das brancas.

18. ... Rf8
19. Cc5 Bc8
20. f3!

Outro poderoso lance polivalente que priva o cavalo preto do possível posto avançado e4, abre caminho para o rei branco avançar tranqüilamente até a casa central d4 e mantém as presas firmes na defensiva. A melhor opção agora seria 20. ... Cd7 para, pelo menos, trocar ou fazer recuar o poderoso cavalo, mas Petrossian, ao invés disso, tenta trazer seu bispo até b5 para neutralizar a situação dos bispos bom e mau.

20. ... T7a7
21. Te5 Bd7
22. Cxd7+!

Esse lance surpreendeu todos os grandes-mestres que assistiam à partida, mas é perfeitamente lógico. As brancas não querem permitir ... b5, que fortaleceria as defesas pretas, enquanto 22. a4 permitiria a execução do plano defensivo Bc6 e Cd7. Assim, Fischer parte para o “final de Fischer”, onde seu bispo é muito mais poderoso que o cavalo preto e suas torres estão ativas e as pretas, passivas. [...]

Ameaçando 24. Tc6 e, portanto, aumentando a pressão sobre o peão a.

23. ... Td6
24. Tc7 Cd7
25. Te2

Uma posição clássica do “final de Fischer”. Enquanto as torres pretas estão presas à proteção de seus peões débeis, as brancas controlam as colunas abertas, e uma se encontra na sétima fila. O cavalo preto não pode ser acionado por causa de Tee7 e seu jogador não pode oferecer a troca de um par de torres com Te8 por causa de Txe8+ e Ta7, que ganharia o peão a. Assim, Petrossiam só pode esperar enquanto Fischer centraliza seu rei.

25. ... g6
26. Rf2 h5
27. f4 h4?

Desmoralizado, Petrossian se enfraquece ainda mais. Uma defesa melhor seria Cb6 28. T2e7 Tf6.

28. Rf3

Ameaçando capturar o peão com Rg4 e forçando assim o que segue.

28. ... f5
29. Re3 d4+
30. Rd2 Cb6
31. T2e7 Cd5
32. Tf7+ Re8
33. Tcb7 Cxb4
33. Bc4! Abandonam.

A ameaça é dupla: ganhar o cavalo ou vencer com 35. Th7 Tf6 36. Th8+ Tf8 37. Bf7+ Rd8 38. Txf8 mate.

Fonte: Barden, L. [1982?]. Como jogar bem xadrez. SP, Círculo do Livro.

19 janeiro 2008

Esse punhado de ossos

Ivan Junqueira

Esse punhado de ossos que, na areia,
alveja e estala à luz do sol a pino
moveu-se outrora, esguio e bailarino,
como se move o sangue numa veia.
Moveu-se em vão, talvez, porque o destino
lhe foi hostil e, astuto, em sua teia
bebeu-lhe o vinho e devorou-lhe à ceia
o que havia de raro e de mais fino.
Foram damas tais ossos, foram reis,
e príncipes e bispos e donzelas,
mas de todos a morte apenas fez
a tábua rasa do asco e das mazelas.
E ai, na areia anônima, eles moram.
Ninguém os escuta. Os ossos não choram.

Fonte: Moriconi, I. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema dedicado a “A Moacyr Félix” e originalmente publicado em 1994.

18 janeiro 2008

Vaidade

Florbela Espanca

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada !

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...
E não sou nada!...

Fonte: Espanca, F. 1996. Poemas de Florbela Espanca. SP, Martins Fontes. Poema originalmente publicado em 1919.

17 janeiro 2008

Íris


Georgia O’Keeffe (1887-1986). Dark Iris No. II. 1926

Fonte da foto: artst.org.

16 janeiro 2008

Amor é um fogo que arde sem se ver

Luís de Camões

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e que não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura. Poema originalmente publicado em 1595.

14 janeiro 2008

Epitáfio

Nuno Júdice

Morreram da epidemia, os melhores: a uns,
levou-os a peste; a outros, a gripe a que
chamaram pneumónica; e houve os da
doença de S. Vito; os da lepra, os da
tísica, galopante ou não. Isto, quando
não davam um tiro na cabeça, não se
enforcavam num candeeiro, não se deitavam
ao rio. Houve ainda os que deixaram
de escrever; os que beberam até perder
o juízo; os que, pura e simplesmente,
desistiram sem nada explicar. Como
se a vida dependesse de tão pouco –
linhas rabiscadas em papéis baratos,
frases que podiam ou não rimar,
pensamentos... que poderiam ter
guardado para eles próprios. No
entanto, quando os leio, percebo o seu
desespero. A beleza não aparece
todos os dias à vista do homem;
a perfeição nem sempre parece
uma coisa deste mundo. Sim:
subo as escadas até ao fim,
de onde se vê a cidade, embora
o tempo esteja de tempestade. O
que se passa, neste instante, sob
aqueles tectos? Que epidemia, mais
subtil, prende ao chão os que,
ainda há pouco, sonhavam com o voo?

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1994.

13 janeiro 2008

Quinze meses no ar

F. Ponce de León

Ontem, sábado (12/1), o Poesia contra a guerra completou quinze meses no ar. Ao fim do expediente de sexta-feira, o contador instalado no blogue indicava que 25.271 visitas haviam sido registradas.

Desde o balanço mensal anterior – Um ano e dois meses – foram ao ar textos dos seguintes autores: Antônio Girão Barroso, António Ramos Rosa, Archibald MacLeish, Augusto Frederico Schmidt, Charles B. Heiser Jr., Christina Rossetti, Daniel Defoe, Flávio Aguiar, John E. Young, Maria Anna Acciaioli Tamagnini, Natalie Angier, Ruy Belo e Sólon Borges dos Reis. Além de outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens dos seguintes pintores: Édouard Vuillard, Francis Picabia, Giotto, M. C. Escher e Thomas Gainsborough.

12 janeiro 2008

Léo

Chico Buarque

Um pé na soleira e um pé na calçada
Um pião
Um passo na estrada e um pulo no mato
Um pedaço de pau
Um pé de sapato e um pé de moleque
Léo

Um pé de moleque e um rabo de saia
Um serão
As sombras da praia e o sonho na esteira
Uma alucinação
Uma companheira e um filho no mundo
Léo

Um filho no mundo e o mundo virado
Um irmão
Um livro, um recado, uma eterna viagem
A mala de mão
A cara, a coragem e um plano de vôo
Léo

Um plano de vôo e um segredo na boca
O ideal
Um bicho na toca e o perigo por perto
Uma pedra, um punhal
Um olho desperto e um olho vazado
Léo

Um olho vazado e um tempo de guerra
Um paiol
Um nome na serra e um nome no muro
A quebrada do sol
Um tiro no escuro e um corpo na lama
Léo

Um nome na lama e um silêncio profundo
Um pião
Um filho no mundo e uma atiradeira
Um pedaço de pau
Um pé na soleira e um pé na calçada

Fonte: encarte que acompanha os LPs do álbum duplo Clube da esquina 2 (1978), de Milton Nascimento.

11 janeiro 2008

Em causa própria

F. Ponce de León

... assim como
em seguida
serão feitas
as devidas
correções
de rumo
de modo a
assegurar
o retorno das
facilidades de
outrora
obtidas sem
muito esforço.

10 janeiro 2008

Impactos negativos da mineração

John E. Young

A mineração é a indústria suja por excelência. Como já assinalava o erudito alemão Georgius Agricola em seu tratado de 1550 sobre mineração: “Os campos são devastados por operações de mineração (...) as matas e os bosques são derrubados, pois há necessidade de uma quantidade interminável de madeira para construções, máquinas e fundição de metais. E, quando se abatem as matas e os bosques, os animais e os pássaros são exterminados (...) Além disso, quando os minérios são lavados, a água usada envenena os regatos e os rios e destrói os peixes ou os afugenta”.

Quatro séculos mais tarde, os efeitos da mineração sobre o meio ambiente praticamente permaneceram os mesmos, mas numa escala muitíssimo maior. A maquinaria pode concluir em horas o trabalho que os homens e os animais de carga levavam anos para fazer na época de Agricola. Os equipamentos de maior porte refletem a escala crescente da indústria. Por exemplo, um caminhão usado na mineração da rocha dura em 1960 pesava de 20 a 40 toneladas, e em 1970, de 80 a 200. O volume das pás usadas para deslocar minério aumentou de 2 para 18 metros cúbicos ao longo do mesmo período. Tais avanços tecnológicos possibilitaram que a produção mundial de minerais crescesse rapidamente – e aumentasse proporcionalmente os danos sobre o meio ambiente.
[...]

Os danos ambientais provocados pela produção de determinado mineral são estabelecidos por fatores como o caráter ecológico do local de mineração, a quantidade de material deslocado, a profundidade do depósito, a composição química do minério e das rochas e solos circunvizinhos e a natureza dos processos de extração de minerais purificados a partir do minério. Os danos variam drasticamente conforme o tipo de mineral usado. Por exemplo, as pedras ocupam o primeiro lugar na produção, mas sua extração provavelmente causa menos prejuízos globais do que a de vários metais. Uma vez que a pedra e outros materiais de construção são geralmente extraídos de depósitos rasos ou expostos no solo, utilizando-se pouco ou nenhum processamento, a maioria dos impactos ambientais limita-se a uma perturbação da terra nos locais da exploração, e é relativamente pequena a quantidade de resíduos gerados.

Na outra extremidade do espectro dos danos, os metais são produzidos por intermédio de uma longa cadeia de processos, cada um deles acarretando poluição e geração de resíduos. Por exemplo, a produção de cobre envolve tipicamente cinco etapas. Em primeiro lugar, o solo e a rocha (chamados terra superficial) que ficam acima do minério devem ser removidos. Depois o minério é extraído e triturado, passando então através de um concentrador para remoção das impurezas. O minério concentrado é reduzido a metal cru em altas temperaturas num fundidor, sendo posteriormente purificado numa refinaria por intermédio de refundição.
[...]

O deslocamento de bilhões de toneladas de rochas brutas, esmagadas e derretidas exige altos níveis de energia, e supri-la pode causar imensos danos ao ecossistemas locais. Por exemplo, desde a época de Agricola, as fundições alimentadas a lenha têm ameaçado as florestas vizinhas. Na Inglaterra meridional, a indústria de ferro de Sussex foi efetivamente eliminada quando destruiu os bosques locais que forneciam seu suprimento de madeira. [...]

Atualmente, a demanda de energia para extrair e processar minerais representa um papel da maior importância no desmatamento e na inundação de grandes áreas da bacia Amazônica. [...]

A produção de alumínio é particularmente intensiva em energia. Diferentemente da maioria dos outros metais, que podem ser obtidos simplesmente pelo aquecimento do minério, o alumínio forma ligações químicas tão firmes que só pode ser economicamente extraído por meio de um processo que envolve a aplicação direta de corrente elétrica. As modernas fundições de alumínio requerem de 13 a 18 quilowatts/hora de eletricidade para produzir um quilo de metal. [...]

Embora as cifras sejam escassas, a indústria de mineração é claramente uma das maiores usuárias mundiais de energia e conseqüentemente uma das que mais contribuem para os impactos do uso da energia, inclusive para a mudança do clima. [...]

Fonte: Young, J. E. 1992. A extração de minérios da Terra. In: Brown, L. R., org. Qualidade de vida, 1992: Salve o planeta! SP, Globo.

09 janeiro 2008

Dois escolares


Édouard Vuillard (1868-1940). Les deux écoliers. 1894.

Fonte da foto: Olga’s Gallery.

08 janeiro 2008

1892-19...

Archibald MacLeish

Haverá pouca coisa a esquecer:
O vôo dos corvos,
Uma rua molhada,
O modo do vento soprar,
O nascer da lua, o pôr-do-sol,
Três palavras que o mundo sabe,
Pouca coisa a esquecer.

Será bem fácil de esquecer.
A chuva pinga
Na argila rasa
E lava lábios,
Olhos e cérebro.
A chuva pinga na argila rasa.

A chuva mansa lavará tudo:
O vôo dos corvos,
O modo do vento soprar,
O nascer da lua, o pôr-do-sol.
Lavará tudo, até chegar
Aos duros ossos desnudados,
E os ossos, os ossos esquecem.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema originalmente publicado em 1926.

07 janeiro 2008

Orate Fratres

Flávio Aguiar

No poço fundo do mundo
Encontrei minha bela irmã.
Aquela que nunca tive,
Aquela que não terei.

A vida se compra pronta,
O mundo roda sem festa.
Minha irmã tem cabelos longos
E traz um lunar na testa.

À beira do poço esquivo,
Hesito se pulo ou recuo.
No espelho claro e escuro
A lua a meus olhos uiva.

Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª edição. RJ, Aeroplano.

06 janeiro 2008

Robinson Crusoe

Daniel Defoe

1.
Nasci no ano de 1632, na cidade de York, filho de boa família estrangeira, pois que meu pai era natural de Bremen e se fixara primeiramente em Hull. Aí conseguira boa fortuna no comércio e, depois de deixar os negócios, retirara-se para York, berço natal de minha mãe, cujo parentela, os Robinson, era uma distinta família local, razão pela qual me chamara de Robinson Kreutznaer. Entretanto, devido à habitual corrução das palavras na Inglaterra, somos agora chamados, e nós mesmos nos chamamos, Crusoe, escrevendo assim nosso nome. E assim também sempre me chamaram meus companheiros.

Tinha dois irmãos mais velhos, um dos quais era tenente-coronel de um regimento inglês de infantaria de Flandres, outrora comandado pelo famoso coronel Lockhart. Morreu em combate com os espanhóis, perto de Dunquerque. Nunca soube o que foi feito de meu segundo irmão, do mesmo modo que meus pais jamais souberam o que foi feito de mim.

Sendo eu o terceiro filho, e não tendo aprendido qualquer ofício, cedo começou meu cérebro a povoar-se de sonhos. Meu pai, que era muito velho, deu-me boa instrução, tanto quanto o permitiam dar a educação caseira e a de uma escola pública local. Queria que eu estudasse direito, mas só me satisfazia a idéia de dedicar-me à vida ao mar. Tão obstinada se manteve essa minha vocação contra a vontade e, mesmo, as ordens de meus pai, súplicas e conselhos de minha mãe e de outros amigos, que se diria haver algo de fatal nessa tendência a conduzir-me diretamente à vida de misérias que me esperava.
[...]

Fonte: Defoe, D. 2005 [1719]. Robinson Crusoe. SP, Martin Claret.

05 janeiro 2008

Inconformismo

Sólon Borges dos Reis

A borboleta, eu sei que nada mais conhece
do casulo de ouro em que se fez.
E sei que a ave alça o vôo abandonando
o alvo invólucro das cascas que rompeu.
– Que importa agora o ovo?

Mas, eu não.
Eu sigo em frente, mas quero também mais.
Eu quero em vão o cenário de ainda há pouco.
Já passou.

Fonte: Reis, S. B. 1996. O tempo: via e viagem. SP, Geração Editorial.

04 janeiro 2008

A partida

Augusto Frederico Schmidt

Quero morrer de noite –
As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Quero morrer de noite.
Irei me separando aos poucos,
Me desligando devagar.
A luz das velas envolverá meu rosto lívido.

Quero morrer de noite
As janelas abertas.
Tuas mãos chegarão aos meus lábios
Um pouco de água.
E os meus olhos beberão a luz triste dos teus olhos.
Os que virão, os que ainda não conheço,
Estarão em silêncio,
Os olhos postos em mim.

Quero morrer de noite
As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Aos poucos me verei pequenino de novo, muito pequenino.
O berço se embalará na sombra de uma sala
E na noite, medrosa, uma velha coserá um enorme boneco.
Uma luz vermelha iluminará um grande dormitório
E passos ressoarão quebrando o silêncio.
Depois na tarde fria um chapéu rolará numa estrada...

Quero morrer de noite –
As janelas abertas.
Minha alma sairá para longe de tudo, para bem longe de tudo.

E quando todos souberem que já não estou mais
E que nunca mais volverei
Haverá um segundo, nos que estão
E nos que virão, de compreensão absoluta.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial.

03 janeiro 2008

Somos o que comemos

Charles B. Heiser Jr.

Não é preciso dizer que somos onívoros. Alguns pensam que, antes de estar bem desenvolvida a agricultura, os principais alimentos do homem eram a carne e o peixe. Não existe certeza de ter sido assim nos primeiros tempos, pois macacos pequenos e grandes são quase que totalmente vegetarianos; o homem muito antigo também pode ter sido. Todavia, a comparação de ossos quebrados de animais com alguns restos de antepassados do homem sugerem-nos que o hábito de comer carne foi adquirido muito cedo.

O fato de ser onívoro, ajuda a explicar a ampla distribuição do homem sobre a superfície da Terra. Era-lhe possível encontrar alimentos adequados em quase todos os lugares por onde ia. Muito embora, como espécie, o homem coma quase de tudo, qualquer comunidade humana em particular seleciona certas plantas e animais para o consumo. Isso é assim hoje, sem dúvida, e talvez venha de muito longe, do período pré-histórico do homem. Podemos supor que os primeiros homens de quando em quando experimentavam todas as fontes potenciais de alimento de seu ambiente, mas alguns tornaram-se preferidos aos outros. Muito pouco sabemos da razão de ter ele escolhido aqueles que escolheu, mas existe a idéia de que a palatabilidade exerceu importante papel: aspectos como o gosto, a consistência, o odor e a cor. [...]

Um dos primeiros traços culturais importantes, adquiridos pelo homem, foi o uso do fogo. O fogo proporcionou-lhe não apenas uma fonte de calor, um meio de proteção contra os animais selvagens e um instrumento que o ajudava na captura de outros animais, mas também uma nova maneira de preparar os alimentos. O cozimento facilita o aproveitamento das proteínas animais e provoca o fracionamento dos grânulos de amido, de forma a serem mais facilmente digeridos. O conhecimento do uso do fogo alterou os hábitos alimentares humanos. Permitiu o uso de alimentos, que no estado natural ou não eram comestíveis ou eram até mesmo tóxicos. Como agora, deve ter sido certamente apreciado o sabor mais agradável que resulta do cozimento.
[...]

Fonte: Heiser, C. B., Jr. 1977. Sementes para a civilização. SP, Nacional/Edusp.

02 janeiro 2008

Mão com esfera


M. [Maurits] C. [Cornelis] Escher (1898-1972). Hand with reflecting sphere. 1935.

Fonte da foto: The Official M. C. Escher Website.

01 janeiro 2008

Calendário

Poh Pin Chin

Verão
Noites curtas,
dias longos

Inverno
Noites longas,
dias curtos

Mas o que diz
o calendário
quando noites
e dias encurtam?

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