06 novembro 2007

A vulgata bibliotecária

Luciano Canfora

A breve narrativa de Gélio, mesmo desfigurada pelo acréscimo talvez realizado por terceiros numa outra época, é um belo exemplo de como a biblioteca é freqüentemente objeto de fantasias e invenções eruditas. Com efeito, Gélio aceita a fábula de uma antiqüíssima biblioteca pública em Atenas: fundada por Pisistrato (ficção derivada da tradição que atribuía a Pisistrato a recolha dos livro homéricos), aumentada nos anos seguintes, roubada e levada à Pérsia por Xerxes, devolvida a Atenas por Seleuco (evidentemente levado a reparar os danos de Xerxes ao sucedê-lo, dois séculos depois, no reino da Babilônia). É verdade que a tradição armênia conhecida por Maribas (que viveu no século II a.C.) apresentava uma imagem totalmente contrária de Seleuco: “tornando-se rei mandou queimar todos os livros do mundo para fazer com que o cálculo do tempo começasse com ele”.

O fato de que a própria Atenas tivesse permanecido por tanto tempo sem biblioteca devia parecer algo intoleravelmente estranho. Na realidade, Atenas teve sua primeira biblioteca pública tardiamente, por iniciativa de Ptolomeu Filadelfo (285-246 a.C.), que fundara um ginásio na cidade, por isso chamado “Ptolemaion”, dotado de uma biblioteca. No século I a.C., essa biblioteca era anualmente enriquecida com cem rolos, dádiva dos efebos. A grande biblioteca de Atenas, porém, foi a doada pelo imperador Adriano (117-138 d.C.); era construída em torno de um perípato com umas cem colunas, também dispondo de salas de ensino.
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Fonte: Canfora, L. 1989. A biblioteca desaparecida. SP, Companhia das Letras.

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