14 outubro 2007

Conjecturas e refutações

Karl Popper

[...]
Passo agora à primeira parte de minha conferência: a teoria geral do conhecimento.

A razão por que julgo ter de começar com alguns comentários sobre a teoria do conhecimento é que, a respeito dela, discordo de quase todos, exceto talvez Charles Darwin e Albert Einstein. (Einstein, incidentemente, explicou sua visão dessas questões em sua conferência em honra de Herbert Spencer feita em 1933.) O principal ponto em debate é a relação entre observação e teoria. Acredito quer a teoria – pelo menos alguma teoria ou expectativa rudimentar – sempre vem primeiro; que ela sempre precede a observação; e que o papel fundamental das observações e dos testes experimentais é mostrar que algumas de nossas teorias são falsas e, assim, estimular-nos a produzir outras melhores.

Conseqüentemente, afirmo que não partimos de observações, mas sempre de problemas – ou de problemas práticos ou de uma teoria que caiu em dificuldades. Uma vez que defrontemos o problema, podemos começar a trabalhar nele. Podemos fazê-lo por meio de tentativas de duas espécies: podemos prosseguir tentando primeiro supor ou conjecturar uma solução para nosso problema; e podemos depois tentar criticar nossa suposição, costumeiramente fraca. Às vezes, uma suposição ou uma conjectura podem suportar por certo tempo nossas crítica e nossos testes experimentais. Mas, via de regra, logo descobrimos que nossas conjecturas podem ser refutadas, ou que não resolvem nosso problema, ou que só o solucionam em parte; e verificamos que mesmo as melhores soluções – aquelas capazes de resistir à crítica mais severa das mentes mais brilhantes e engenhosas – logo dão origem a novas dificuldades, a novos problemas. Assim podemos dizer que o crescimento do conhecimento marcha de velhos problemas para novos problemas, por meio de conjecturas e refutações.
[...]

Tudo isso pode ser expresso dizendo que o crescimento de nosso conhecimento é o resultado de um processo estreitamente semelhante ao que Darwin chamou “seleção natural”; isto é, a seleção natural de hipóteses: nosso conhecimento consiste, a cada momento, daquelas hipóteses que mostraram sua aptidão (comparativa) para sobreviver até agora em sua luta pela existência, uma luta de competição que elimina aquelas hipóteses que são incapazes.

Esta interpretação pode ser aplicada ao conhecimento animal, ao conhecimento pré-científico e ao conhecimento científico. Peculiar ao conhecimento científico é isto: a luta pela existência é tornada mais dura pela crítica sistemática e consciente de nossas teorias. Assim, enquanto o conhecimento animal e o conhecimento pré-científico crescem principalmente através da eliminação daqueles que sustentam as hipóteses incapazes, a crítica científica faz muitas vezes nossas hipóteses perecerem em lugar de nós, eliminando nossas crenças errôneas antes que essas crenças levem à nossa eliminação.

[...] Desde a ameba até Einstein, o crescimento do conhecimento é sempre o mesmo: tentamos resolver nossos problemas e obter, por um processo de eliminação, algo que se aproxime da adequação em nossas soluções experimentais.
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Fonte: Popper, K. R. 1975. Conhecimento objetivo. BH & SP, Itatiaia & Edusp.

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