15 agosto 2007

Os miseráveis

Victor Hugo

1.
Em um dos primeiros dias de outubro, em 1815, antes do pôr-do-sol, um homem viajava a pé. Tinha aparência assustadora. Seria difícil encontrar alguém com aspecto mais miserável. Era forte, de estatura mediana. Parecia ter de quarenta e cinco a cinqüenta anos. Na cabeça, um boné com aba de couro. A camisa, de tecido grosseiro, mal-fechada deixava ver o peito cabeludo. Calças esfarrapadas. Sapatos sem meias. Nas costas, um volumoso saco de viagem de soldado. Trazia na mão um cajado de madeira, cheio de nós. Cabeça raspada e barba crescida. O suor e o pó da estrada tornavam sua aparência ainda pior.
[...]

3.
Durante a madrugada, Jean Valjean acordou.

O ex-condenado pertencia a uma família camponesa. Quando criança, não aprendeu a ler. Ao crescer, tornou-se podador de árvores. Órfão de pai e mãe, foi criado por uma irmã mais velha, casada e com sete filhos. Quando tinha vinte e cinco anos, a irmã enviuvou. O filho mais velho tinha oito anos, o mais novo um. Jean Valjean tornou-se o arrimo da família. Passou a sustentar a irmã e os sobrinhos com trabalhos grosseiros e mal remunerados. Nunca namorou, nem nunca se soube que estivesse apaixonado. Vivia para a família. Falava pouco, tinha o semblante pensativo. Quando comia, muitas vezes a irmã tirava o melhor pedaço de seu prato para dar a uma das crianças, e ele sempre permitia. Mas seu trabalho e o da irmã eram insuficientes para sustentar uma família tão grande. A miséria aumentou. Certo ano, em um inverno rigoroso, Jean Valjean não encontrou trabalho. A família ficou sem pão. Sem pão. Exatamente como está escrito. Sete crianças.
[...]

Fonte: Hugo, V. 2001 [1862]. Os miseráveis. SP, Editora FTD.

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