01 março 2007

Via-Láctea

Olavo Bilac

1.
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada,

Entre as estrelas trêmulas subia

Uma infinita e cintilante escada.


E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cada

Degrau, que o ouro mais límpido vestia,

Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,

Ressoante de súplicas, feria...


Tu, mãe sagrada! vós também, formosas

Ilusões! sonhos meus! íeis por ela

Como um bando de sombras vaporosas.


E, ó meu amor! eu te buscava, quando

Vi que no alto surgias, calma e bela,

O olhar celeste para o meu baixando...


2.

Tudo ouvirás, pois que, bondosa e pura,

Me ouves agora com melhor ouvido:

Toda a ansiedade, todo o mal sofrido

Em silêncio, na antiga desventura...


Hoje, quero, em teus braços acolhido,

Rever a estrada pavorosa e escura

Onde, ladeando o abismo da loucura,

Andei de pesadelos perseguido.


Olha-a: torce-se toda na infinita

Volta dos sete círculos do inferno...

E nota aquele vulto: as mãos eleva,


Tropeça, cai, soluça, arqueja, grita,

Buscando um coração que foge, e eterno

Ouvindo-o perto palpitar na treva.


3.

Tantos esparsos vi profusamente

Pelo caminho que, a chorar, trilhava!

Tantos havia, tantos! E eu passava

Por todos eles frio e indiferente...


Enfim! enfim! pude com a mão tremente

Achar na treva aquele que buscava...

Por que fugias, quando eu te chamava,

Cego e triste, tateando, ansiosamente?


Vim de longe, seguindo de erro em erro,

Teu fugitivo coração buscando

E vendo apenas corações de ferro.


Pude, porém, tocá-lo soluçando...

E hoje, feliz, dentro do meu o encerro,

E ouço-o, feliz, dentro do meu pulsando.


4.

Como a floresta secular, sombria,

Virgem do passo humano e do machado,

Onde apenas, horrendo, ecoa o brado

Do tigre, e cuja agreste ramaria


Não atravessa nunca a luz do dia,

Assim também, da luz do amor privado,

Tinhas o coração ermo e fechado,

Como a floresta secular, sombria...


Hoje, entre os ramos, a canção sonora

Soltam festivamente os passarinhos.

Tinge o cimo das árvores a aurora...


Palpitam flores, estremecem ninhos...

E o sol do amor, que não entrava outrora,

Entra dourando a areia dos caminhos.


5.

Dizem todos: “Outrora como as aves

Inquieta, como as aves tagarela,

E hoje... que tens? Que sisudez revela

Teu ar! que idéias e que modos graves!


Que tens, para que em pranto os olhos laves?

Sê mais risonha, que serás mais bela!”

Dizem. Mas no silêncio e na cautela

Ficas firme e trancada a sete chaves...


E um diz: “Tolices, nada mais!” Murmura

Outro: “Caprichos de mulher faceira!”

E todos eles afinal: “Loucura!”


Cegos que vos cansais a interrogá-la!

Vê-la bastava; que a paixão primeira

Não pela voz, mas pelos olhos fala.


Fonte: Bilac, O. 1985. Poesias. BH, Itatiaia. O poema todo é um conjunto de 35 sonetos (o trecho acima corresponde aos cinco primeiros), originalmente publicado em 1888.

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