15 janeiro 2007

Os livros tornam-se públicos

Daniel J. Boorstin

No número crescente de universidades medievais havia poucas bibliotecas institucionais, mas os professores continuavam a precisar de livros. Era possível obtê-los de mercadores de livros itinerantes, fonte pouco merecedora de confinça sobre a qual os professores não tinham nenhum controle. Alugar manuais, geralmente mediante um preço fixo por caderno, era um privilégio valioso que podia enriquecer a universidade e proibir a circulação de textos heréticos. O catálogo mais antigo da Universidade de Paris, de 1286, enumera uns 138 títulos diferentes para alugar. Em Bolonha e noutros lugares, era exigido a cada professor que fornecesse ao “estacionário” da universidade uma cópia das suas lições, para poderem ser transcritas e alugadas ou vendidas. Chamava-se-lhe “estacionário” simplesmente porque, ao contrário dos mercadores de livros itinerantes, permanecia num lugar. Os mercadores ainda negociavam em livros proibidos, e foram eles que possibilitaram a grande circulação das traduções proibidas da Bíblia que John Wycliffe fez para inglês. Mas o “estacionário” continuou durante muito tempo a ser a fonte autorizada de fornecimento de manuais e material de escrita, e operou também como biblioteca circulante.
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Então, quando a própria imprensa se tornou uma instituição estabelecida, os impressores organizaram as suas guildas e tentaram limitar as edições, a fim de manterem a estabilidade dos postos de trabalho. Em Inglaterra, um decreto da Câmara Estrelada de 1587 limitava as edições a 1.250 exemplares, apenas com algumas, poucas, excepções. Mais ou menos por essa altura, a própria Stationer’s Company limitava as edições a 1.500 exemplares, tendo como única excepção obras como gramáticas, livros de orações, estatutos e proclamações, calendários e almanaques. Na Europa, durante os séculos 17 e 18, uma primeira edição só excedia os 2.000 exemplares quando se tratava de bíblias e obras de uma popularidade invulgar, como Le siècle de Louis XIV, de Voltaire, ou a Enciclopédie, de Diderot.
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[O filósofo alemão] Leibniz foi um marco da transição das coleções reais e eclesiásticas destinadas à minoria privilegiada para a biblioteca pública ao serviço de todos. No século seguinte, as suas visões seriam concretizadas na surpreendente carreira do imigrante italiano Sir Anthony Panizzi (1797-1879), nacionalista italiano apaixonado e enérgico homem de acção. Forçado a fugir da sua Brescello natal, no ducado de Modena, onde aderira a uma sociedade secreta que conspirava contra os ocupantes austríacos, fora condenado à morte à revelia. Encontrou refúgio em Inglaterra, onde foi nomeado primeiro professor de Literatura Italiana da Universidade de Londres. Como não aparecessem estudantes, abandonou o cargo honorífico para se integrar nos quadros do Museu Britânico em 1831. Nos 35 anos seguintes, dominou e revigorou esse lugar para fazer dele o modelo de uma biblioteca nacional no estilo moderno, indo ao encontro do público leitor.
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Fonte: Boorstin, D. 1989. Os descobridores, 2a edição. RJ, Civilização Brasileira.

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