31 janeiro 2007

Inscrição

Cecília Meireles

Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.

Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?

Não encontro caminhos
fáceis de andar.
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.

E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.

Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.

Fonte: Meireles, C. 1993. Poesia completa: volume único. RJ, Nova Aguilar. Poema originalmente publicado em 1945.

Olho-d’Água

Ronaldo Bastos

E já passou não quer passar
E já choveu não quer chegar
E me lembrou qualquer lugar
E me deixou não sei que lá

Não quer chegar e já passou
E quer ficar e nem ligou
E me deixou qualquer lugar
Desatinou, caiu no mar

Caiu no mar, Nena
Pipo, cadê você?
Dora, cadê você?
Pablo, Lilia, cadê você?

Beira Rio
Duas Barras
Morro Velho
Ponte Nova
Maravilha
Buracada
Sumidouro
Olho-d’Água

Não quer chegar...

Caiu no mar, Pedro
Chico, cadê você?
Lino, cadê você?
Zino, Zeca, cadê você?

Vista Alegre
Cruz das Almas
Maroleiro
Asa Branca
Bom Sossego
Santo Amaro
Poço Fundo
Montes Claros
Cachoeira
Mambucaba
Porto Novo
Água Fria
Andorinha
Guanabara
Sumidouro
Olho-d’Água

Fonte: encarte que acompanha os LPs do álbum duplo Clube da esquina 2 (1978), de Milton Nascimento.

30 janeiro 2007

Lígia

Tom Jobim

Eu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba
Não vou a Ipanema
Não gosto de chuva
Nem gosto de sol
E quando eu lhe telefonei
Desliguei, foi engano.
Seu nome eu não sei
Esqueci no piano
As bobagens de amor
Que eu iria dizer
Não, Lígia, Lígia

Eu nunca quis tê-la a meu lado
Num fim de semana
Um chope gelado
Em Copacabana
Andar pela praia até o Leblon
E quando eu me apaixonei
Não passou de ilusão
O seu nome rasguei
Fiz um samba-canção
Das mentiras de amor
Que aprendi com você
É, Lígia, Lígia

E quando você me envolver
Nos seus braços serenos
Eu vou me render
Mas seus olhos morenos
Me metem mais medo
Que um raio de sol
Lígia, Lígia

Fonte: álbum Sinal fechado (1974), de Chico Buarque. Há uma outra versão algo diferente para esta letra.

29 janeiro 2007

Todos os homens são mortais

Simone de Beauvoir

1.
O pano ergueu-se, Régine inclinou-se e sorriu; sob as luzes do grande lustre, manchas rosadas borboleteavam por cima dos vestidos multicores e paletós escuros; em cada rosto havia olhos e, no fundo de todos esses olhos, Régine inclinava-se e sorria; o fragor das cataratas, o troar dos aludes enchiam o velho teatro; uma força impetuosa arrancava-a da terra e lançava-a ao céu. Inclinou-se novamente. O pano desceu e ela sentiu na sua mão a de Florence; largou-a com vivacidade e encaminhou-se para a saída.
– Cinco chamadas ao palco, muito bem – disse o diretor.
– Para um teatro de província, é bom.
Ela desceu os degraus que conduziam ao foyer. Esperavam-na com flores; de chofre, ela voltou à terra. Quando estavam sentados no escuro, invisíveis, anônimos, não se sabia quem eram; era possível imaginar-se diante de uma assembléia de deuses; mas logo que a gente os via um por um, achava-se em frente de pobres-diabos sem importância. [...]

2.
– E que fim levou o seu faquir? – disse Laforêt.
Régine encheu, sorrindo, os copos de porto.
– Ele vai ao restaurante duas vezes por dia, usa ternos comprados feitos e é tão enfadonho quanto um empregado de escritório. Curei-o demasiado bem.
Roger virou-se para Dulac.
– Em Rouen encontramos um pobre iluminado que se acreditava faquir. Régine resolveu curá-lo.
– E conseguiu? – perguntou Dulac.
– Ela consegue sempre o que empreende – disse Roger. – É uma mulher perigosa.
Régine sorriu.
– Desculpem-me um instante, vou ver em que ponto está o jantar.
[...]

3.
Durante um instante, Régine permaneceu imóvel à entrada do quarto; abarcou num olhar o cortinado vermelho, as vigas do teto, a cama estreita, os móveis de madeira escura, os livros arranjados na prateleira; depois fechou a porta e avançou até o meio do estúdio.
– Eu me pergunto se Fosca vai gostar desse quarto – disse ela.
Annie ergueu os ombros.
– Para que tanto trabalho com um homem que olha as pessoas como se fossem nuvens? Não verá nada.
– Exatamente, é preciso ensiná-lo a ver – explicou Régine.
[...]

Fonte: Beauvoir, S. [1991?] Todos os homens são mortais. SP, Círculo do Livro.

28 janeiro 2007

Us and them

Roger Waters

Us, and them

And after all were only ordinary men

Me, and you

God only knows it’s not what we would choose to do


Forward he cried from the rear

and the front rank died

And the General sat, and the lines on the map

moved from side to side


Black and blue

And who knows which is which and who is who

Up and Down

And in the end it’s only round and round and round


Haven’t you heard it’s a battle of words

the poster bearer cried

Listen son, said the man with the gun

There’s room for you inside

I mean, they’re not gunna kill ya, so if you give ’em a quick short, sharp, shock, they won’t do it again. Dig it? I mean he get off lightly, ’cos I would’ve given him a thrashing – I only hit him once! It was only a difference of opinion, but really... I mean good manners don’t cost nothing do they, eh?

Down and Out

It can’t be helped but there’s a lot of it about

With, without

And who’ll deny that’s what the fightings all about


Get out of the way, it’s a busy day

And I’ve got things on my mind

For want of the price of tea and a slice

The old man died


Fonte: álbum The dark side of the moon (1973), do Pink Floyd.


27 janeiro 2007

A idéia de ordem em Key West

Wallace Stevens

Ela cantava além do gênio do oceano.
A água não formava mente ou voz,
Como um corpo todo corpo, agitando
As mangas ocas; essa mímica, no entanto,
Era um grito constante, constantemente um grito
Que não era nosso, embora o entendêssemos,
Inumano, do verdadeiro oceano.

O mar não era máscara. Nem ela.
O canto e a água não eram contraponto
Ainda que ela ouvisse o que cantava,
Pois que seu canto era palavra por palavra.
Talvez em cada frase sua transpirasse
Água rangente, vento resfolegante;
Mas não era mar nem ela que ouvíamos.

Pois era ela a autora do seu canto.
O mar, com seu capuz eterno e gestos trágicos,
Não era mais do que um cenário para seu canto.
E perguntamos: de quem é esse espírito?
Sabendo que era aquele que buscávamos,
Que era preciso perguntá-lo ouvindo o canto.

Se fosse só a escura voz do mar
A se elevar, mesmo com a cor de muitas ondas;
Ou só a voz exterior do céu
E nuvem, de coral murado em água,
Ainda que clara, seria ar profundo,
Fala arquejante de ar, som estival
A repetir-se num verão sem fim,
Só som. Mas era mais que isso,
Mais que a voz dela até, e as nossas, entre
Mergulhos sem sentido de água e vento,
Distâncias teatrais, sombras de bronze
Amontoadas no horizonte, atmosferas
Montanhosas de céu e mar.

Era a voz dela
Que aguçava o céu ao máximo ao morrer
Ela media-lhe da solidão a hora.
Ela era a única artífice do mundo
Em que cantava. E, ao cantar, o mar,
Fosse o que fosse antes, se tornava
O ser do canto dela, a criadora. E nós,
Ao vê-la esplêndida e sozinha, compreendemos
Que nunca houve para ela outro mundo
Senão aquele que, ao cantar, ela criava.

Ramon Fernandez, me diga, se souber,
Por quê, ao fim do canto, quando íamos
Rumo à cidade, por que as luzes vítreas,
As luzes das traineiras ancoradas,
Pensa no ar do entardecer, predominavam
A noite e parcelavam todo o mar, fixando
Regiões feéricas, pólos de fogo,
Dispondo, aprofundando, enfeitiçando a noite.

Ah, pálido Ramon, abençoado ímpeto
De ordem, ânsia do criador de ordenar
Palavras do mar, de portais flagrantes,
Estrelados, de nós mesmos, nossa origem,
Em espectrais demarcações, sons mais pungentes.

Fonte: Stevens, W. 1987. Poemas. SP, Companhia das Letras. Poema originalmente publicado em 1935.

26 janeiro 2007

Harmonia em vermelho


Henri Matisse (1869-1954). Harmony in red. 1908.

Fonte da foto: Olga’s Gallery.

25 janeiro 2007

Partes e todos, causas e efeitos

Richard C. Lewontin

[...]

Na análise causal, usualmente faz-se uma distinção entre causas necessárias e suficientes. Se algo é uma causa necessária de um efeito, ao evitarmos a causa evitamos também o efeito. Uma causa suficiente, em contraste, pode ser eliminada sem que o efeito seja evitado, porque alguma outra causa pode tomar seu lugar. Porém, se estiver presente uma causa suficiente, inevitavelmente o efeito decorrerá dela. Nessa análise simples, no entanto, as enfermidades cardiovasculares e o câncer não são causas necessárias nem suficientes da morte. Contrair uma ou outra dessas doenças não é garantia de que se morrerá em conseqüência dela e tampouco sua ausência confere imortalidade. [...]

Portanto, deve haver uma causa da morte como um fenômeno, como algo distinto dos casos individuais, que são mais bem entendidos como “agentes”. Agentes são caminhos alternativos de mediação de alguma causa básica, uma causa que opera sempre, ainda que através de caminhos diferentes. Se a causa não operar através de um agente, operará através de outro. Nesse sentido, a causa da morte está em que os organismos vivos são aparatos eletromecânicos, compostos de partes físicas articuladas, as quais, por razões puramente termodinâmicas, acabam por se descartar e deixam de funcionar. [...]

A mesma distinção entre causas e agentes é relevante para os problemas da poluição e do manejo de detritos. Quando iniciativas legais ou de pressão popular logram proibir um determinado processo industrial que envenena os trabalhadores ou que resulta na acumulação de detritos não-degradáveis, a indústria adota um processo diferente, em que outros venenos ou outros detritos são produzidos e outros recursos são consumidos. A produção de papel consome árvores e lança sulfitos na água e no ar. A substituição do papel por plásticos consome petróleo e cria um produto final não-degradável. Os mineiros já não morrem de doenças pulmonares adquiridas nas minas de carvão à medida que o carvão foi sendo substituído pelo petróleo. Em vez disso, eles morrem de câncer, induzido pelos produtos das refinarias. Sulfitos, encostas desmatadas e depósitos de materiais não-degradáveis não são as causas da degradação das condições da vida humana. São apenas seus agentes. A causa é a racionalidade estreita de um esquema anárquico de produção desenvolvido pelo capitalismo industrial e adotado pelo socialismo industrial. Nesse caso, como em todos os demais, a confusão entre agentes e causas impede uma confrontação realista com as condições da vida humana.

Fonte: Lewontin, R. C. 2002. A tripla hélice. SP, Companhia das Letras.

24 janeiro 2007

À cidade da Bahia

Gregório de Matos

Triste Bahia! oh! quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh! Se quisera Deus que, de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

Fonte: Spina, S. 1995. A poesia de Gregório de Matos. SP, Edusp.

Nightswimming

Michael Stipe

Nightswimming deserves a quiet night.

The photograph on the dashboard,

taken years ago,

turned around backwards so the windshield shows.

Every streetlight reveals the picture in reverse.

Still, it’s so much clearer.

I forgot my shirt at the water’s edge.

The moon is low tonight.


Nightswimming
deserves a quiet night.
I’m not sure all these people understand.

It’s not like years ago,

the fear of getting caught,

of recklessness and water.

They cannot see me naked.

These things, they go away,

replaced by everyday.


Nightswimming,
remembering that night.
September’s coming soon.

I’m pining for the moon.

And what if there were two

side by side in orbit

around the fairest sun?

That bright, tight forever drum

could not describe
nightswimming.

You, I thought I knew you.

You I cannot judge.

You, I thought you knew me,

this one laughing quietly

underneath my breath.

Nightswimming.


The photograph reflects,

every streetlight a reminder.

Nightswimming deserves a quiet
night,
deserves a quiet night.

Fonte: álbum Automatic for the people (1992), do R.E.M.

23 janeiro 2007

A um rato morto encontrado num parque

Mário Cesariny

Este findou aqui sua vasta carreira

de rato vivo e escuro ante as constelações

a sua pequena medida não humilha

senão aqueles que tudo querem imenso

e só sabem pensar em termos de homem ou árvore

pois decerto este rato destinou como soube (e até como não soube)

o milagre das patas – tão junto ao focinho –

que afinal estavam justas, servindo muito bem

para agatanhar, fugir, segurar o alimento, voltar atrás de repente, quando necessário


Está pois tudo certo, ó “Deus dos cemitérios pequenos”?

Mas quem sabe quem sabe quando há engano

nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer

que não era para príncipe ou julgador de povos

o ímpeto primeiro desta criação

irrisória para o mundo – com mundo nela?

Tantas preocupações às donas de casa – e aos médicos – ele dava!

Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?

Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar

e passou nela a roda com que se amam

olhos nos olhos – vítima e carrasco


Não tinha amigos? Enganava os pais?


Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido

e agora parado, aquoso, cheira mal.


Sem abuso

que final há-de dar-se a este poema?

Romântico? Clássico? Regionalista?


Como acabar com um corpo corajoso e humílimo

morto em pleno exercício da sua lira?


Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1957.

A jugar la vida

Amparo Ochoa

Por la calle voy chilando el collar de mi pasión

por la calle voy contando las monedas de mi amor

por la calle voy buscando la humedad de la razón

por la calle voy tirando la envoltura del dolor

por la calle voy volando como vuela el ruiseñor

por la calle voy cantando con mi traje mi canción


Esto de jugar a la vida

es algo

que a veces duele


En mi casa mi familia se adormila en su sillón

en mi casa se ha quedado a vivir la tradición

en mi casa las paredes se respetan como a un dios

en mi casa hay una iglesia que se llama comedor

en mi casa a mis padres yo les hablo con su voz

pero a veces en mi casa el silencio es lo mejor


Esto de jugar...


En tu casa yo me pierdo yo me encuentro y al fin soy

en tu casa yo deshago con mis manos una flor

en tu casa yo inauguro hasta el ultimo rincón

en tu casa yo me ahogo con el agua de tu voz

en tu casa hay señales que me dicen donde estoy

pero a veces en tu casa yo me encuentro y no soy


Esto de jugar...


Y de nuevo en la calle me remiendo la ilusión

y de nuevo en la calle yo me muerdo el corazón

y de nuevo en la calle yo me vuelvo aparador

y me ofrezco en barata sin abono sin fiador

y de nuevo en la calle yo me creo lo que soy

y pintandome de bueno voy cantando mi canción


Esto de jugar...


Fonte: álbum América do Sol 3 (1980), coletânea de vários autores e intérpretes.


22 janeiro 2007

Françoise, Claude e Paloma


Pablo Picasso (1881-1973). Françoise, Claude and Paloma. 1951.

Fonte da foto: Olga’s Gallery.


À lira desprezo

Cláudio Manuel da Costa

1.
Que busco, infausta lira,
Que busco no teu canto,
Se ao mal, que cresce tanto,
Alívio me não dás?

A alma, que suspira,
Já foge de escutar-te:
Que tu também és parte
De meu saudoso mal.

2.
Tu foste (eu não o nego)
Tu foste em outra idade
Aquela suavidade,
Que Amor soube adorar;

De meu perdido emprego
Tu foste o engano amado:
Deixou-me o meu cuidado;
Também te hei de deixar.

3.
Ah! De minha ânsia ardente
Perdeste o caro império:
Que já noutro hemisfério
Me vejo respirar.

O peito já não sente
Aquele ardor antigo:
Porque outro norte sigo,
Que fino amor me dá.

4.
Amei-te (eu o confesso)
E fosse noite, ou dia,
Jamais tua harmonia
Me viste abandonar.

Qualquer penoso excesso,
Que atormentasse esta alma,
A teu obséquio em calma
Eu pude serenar.

5.
Ah! Quantas vezes, quantas
Do sono despertando,
Doce instrumento brando,
Te pude temperar!

Só tu (disse) me encantas;
Tu só, belo instrumento,
Tu és o meu alento;
Tu o meu bem serás.

6.
Vai-te; que já não quero,
Que devas a meu peito
Aquele doce efeito,
Que me deveste já.

Contigo já mais fero
Só trato de quebrar-te:
Também hás de ter parte
No estrago de meu mal.

7.
Não saberás desta alma
Segredos, que sabias,
Naqueles doces dias,
Que Amor soube alentar.

Se aquela ingrata calma
Foi só tormenta escura,
Na minha desventura
Também naufragarás.

8.
Nise, que a cada instante
Teu números ouvia,
Ou fosse noite, ou dia,
Jamais não te ouvirá.

Cansado o peito amante
Somente ao desengano
O culto soberano
Pretende tributar.

9.
De todo enfim deixada
No horror deste arvoredo,
Em ti seu tosco enredo
Aracne tecerá.

Em paz se fique a amada,
Por quem teu canto inspiras;
E tu, que a paz me tiras,
Também te fica em paz.

Fonte: Costa, C. M. [1986?] Poemas de Cláudio Manuel da Costa. SP, Cultrix. Poema originalmente publicado em 1768.

21 janeiro 2007

Cem dias

F. Ponce de León

O Poesia contra a guerra completou nesse sábado, 20/1, exatos 100 dias no ar. De 12/10/2006 até ontem, o contador instalado no blogue registrou 2.112 visitas e 3.577 page views. Em valores médios, isso significa pouco mais de 21 visitas por dia e quase 1,7 page view por visita.


Aproveito a oportunidade para reunir aqui o nome de todos os 110 autores (sem incluir pessoal ou material da casa) que já foram publicados no blogue (alguns mais de uma vez), a saber:


A. K. Dewdney, Adélia E. Oliveira, Adélia Prado, Ademir Antônio Bacca, Aldir Blanc, Alan Sokal, Allan Bloom (2), Alphonsus de Guimaraens, Antoine de Saint-Exupéry, Arnold J. Toynbee, Ascânio Lopes, Atahualpa Yupanqui, Augusto dos Anjos; Bárbara Lia, Belchior (2), Bob Dylan (2), Bono (2); Cacaso, Carlos Drummond de Andrade (2), Carlos Fernando, Carmen L. Oliveira, Castro Alves, Cat Stevens (ou Yusuf Islam), Cecília Meireles (2), Chico Buarque, Cláudio Lucci; Daniel J. Boorstin, Dewey Bunnell, Dorival Caymmi; Elizabeth Bishop, Elomar (2), Ernest Mandel; Federico García Lorca (2), Fernando Brant (2), Fernando Pessoa (2), Ferreira Gullar (2), Florbela Espanca; Gildo Magalhães, Godofredo Guedes, Graham Nash; Hannah Arendt, Heinz Dieterich; Ian Anderson; J. D. Salinger, James Taylor, Jared Diamond, Jeffrey M. Mason, João Cabral de Melo Neto (2), João Ricardo, John Horgan, John Lennon (2), John Tyler Bonner, Jorge de Lima, Jorge de Sena, Jorge Luís Borges, Joyce, Júlio Verne (2); Leonard Cohen, Luciano Berio, Luiz Alberto Machado, Luiz Ruffato; Manuel Bandeira, Márcio Borges (2), Mário de Sá-Carneiro, Mário Quintana, Marshall Berman, Miguel de Cervantes, Miguel Hernández, Milton Nascimento, Murilo Antunes, Murilo Mendes, Murilo Rubião; Noam Chomsky (2); Osvaldo Faria, Othon M. Garcia; Paul K. Feyerabend, Paul McCartney, Paul Simon, Paulo César Pinheiro, Peter Gabriel (2), Phil Collins; Rainer Maria Rilke, Régis Bonvicino, Roger Waters (2), Rolando Alarcón, Ronaldo Bastos, Ronaldo Cagiano, Roseana Murray, Rossana Dalmonte, Ruy Guerra; Silvia Rubião, Silvio Rodríguez, Stefan Kunze, Steve Hackett, Stuart Pimm, Susan McCarthy; Teresa Parodi, Thiago de Mello, Tomás Antônio Gonzaga; Uwe Kraemer; Victor Jara, Vinicius de Moraes, Violeta Parra (2), Virna Teixeira, Vital Farias, Vitor Ramil, Viviane Forrester; Walter Freitas, William Carlos Williams e Wilton Cardoso.

No mesmo período, foram reproduzidas obras dos seguintes pintores: Amedeo Modigliani,
Andrew Wyeth, Caravaggio, Claude Monet, Diego Velázquez, Edward Hopper, Frida Kahlo, Gustav Klimt, Henri Rousseau, Jan van Eyck, Leonardo da Vinci, Paul Cézanne, Pieter Bruegel, Rafael, Sandro Botticelli, Vincent van Gogh e William Blake.

20 janeiro 2007

O que é musica hoje

Luciano Berio & Rossana Dalmonte

(...)
P. [Dalmonte] – Seria interessante saber por que razão, a partir da morte de Beethoven, começou-se a falar e a escrever tanto sobre música.

R. [Berio] – Talvez porque a música deixou de ser uma atividade objetiva destinada a preencher funções sociais específicas e tornou-se, pelo menos nas intenções, veículo de expressões e idéias pessoais. A música viu-se conscientemente transportada para o universo dos signos, como se diz hoje, e das idéias. O compositor, como pintor e poeta, tornou-se um “artista” cujos ideais e cuja visão do mundo pareciam menosprezar a quinquilharia artesanal da profissão musical. Criou-se uma distância entre idéia e prática musical e o músico consciente teve que explicar e preencher essa distância para um público diferente, um público que pagava e queria não apenas ouvir uma sinfonia, mas reouvi-la. Apareceu então a Estética que veio em auxílio de quem falava e escrevia sobre a música e arte, tanto ontem como hoje. O compositor começou a falar de seu trabalho e de suas idéias a partir do momento em que deixou de fazer música de maneira direta, deixou, ou quase, de ser um músico prático, de ser executante e de tocar cotidianamente um instrumento. Chopin e Brahms, grandes pianistas, não nos deixaram escritos. Messiaen, grande organista, também não (a sua Technique de mon langage musical é estranha até no título). Mas Schumann (que feriu um dedo e não podia mais tocar piano), Berlioz (que tocava guitarra muito mal), Wagner e Schoenberg (que certamente não eram virtuoses de seus respectivos instrumentos, piano e violoncelo), deixaram-nos uma quantidade significativa de escritos. Penso que sobre esse assunto (que se resume da distinção capitalista entre trabalho intelectual e trabalho manual) valeria a pena fazer pelo menos uma tese acadêmica numa faculdade de Sociologia – sem esquecer que a partir de Beethoven todos os aspectos do processo criativo, até os mais ínfimos, começaram a ter um preço: os manuscritos do compositor, os óculos do compositor, o cartão postal do compositor, a cama do compositor, seu boletim escolar, sua casa, sua cadeira, seus hábitos e, naturalmente, suas entrevistas.

Tentar definir a música – que em todo caso não é um objeto mas um processo – é quase como tentar definir a poesia, ou seja: trata-se de uma operação felizmente impossível, considerando a futilidade de querer estabelecer a fronteira entre o que é música e o que não é, entre poesia e não-poesia. Com a diferença, porém, de que na poesia a distinção implícita entre língua e literatura, entre língua falada e língua escrita, torna mais fácil a definição dessa fronteira. Talvez a música seja justamente isto: a procura de uma fronteira constantemente deslocada. Nos séculos anteriores, por exemplo, a “fronteira” tonal delimitava territórios precisos e profundos. Hoje os territórios são vastíssimos, as fronteiras muito mais móveis e de natureza diversa. Aliás, muitas vezes, o objetivo da pesquisa musical e da criação não é sequer a definição de uma fronteira perceptiva, expressiva e conceitual, mas antes sua eliminação, ou seja: a eliminação como ação “vanguardística”. E neste caso, paradoxalmente, torna-se fácil responder à sua pergunta: a música é tudo aquilo que se ouve com a intenção de ouvir música.
(...)

Fonte: Berio, L. & Dalmonte, R. [1981?] Entrevista sobre a música. RJ, Civilização Brasileira. Sobre a música de Beethoven, clique aqui.


19 janeiro 2007

Rotina, mero desencanto

Ronaldo Cagiano

Quantas enchentes
carregaram de nós
o que era melhor
do que restou?

Há tribunal para os holocaustos modernos?

A guerra é em nós,
mais que os tributários algozes da violência.
O homem e seu pequeno
evangelho de desgraças
cuida de seus jardins sinistros
de onde vemos
a rosa expandida num cogumelo assassino
manchando a Mesopotâmia.

Estou também triste
como aquele bedel de paletó azul
que atravessa a Esplanada
com sua rotina imutável,
em meio a estatísticas
que não nos eternizarão.

Sou tão pouco e breve como o cobrador do Grande Circular
em sua geografia de léguas sempre iguais.

As horas consomem-nos
e não ganhei o beijo da mulher, o abraço dos filhos,
porque a noite chegou antes, o corpo tem urgências
e o salário uma incógnita.

Entra dia, sai dia,
é aquela mediocridade envernizada
a redigir expedientes que jamais
serão considerados na História do Brasil.

Cada minuto é um suceder burocrático
de coisas que não me bastam
de braços recolhidos e palavras cansadas.

Cada funcionário em sua estação de trabalho
(esses currais envidraçados habitados por fantasmas)
repete bovinamente suas tarefas
e nem imagina que do outro lado do mundo
tantos morrem por nossa culpa
sob o delírio tecnocrata de uma batalha desigual.

Lá fora o chumbo das nuvens
desconhece o sofrimento
dos que vendem os filhos
nos sinais de trânsito.

E eu tentando conciliar
os litígios
dos homens que devem tanto
e outras contas sem rosto e sem nome
que dormem e já conhecem o novo século,
mas a fome dos homens não quer saber de mísseis, internet e fmi.

Se eu tivesse a chave do cofre,
às favas esse hospício e suas ilusões matemáticas,
verteria leite e mel
nos interstícios da África

mas, minha imaginação não vale nada,
não evita a multa de trânsito,
as palafitas às margens do Tietê
nem o que é compulsório, como a morte, as elites, o pfl e a cpmf.

Se meu instinto sentasse praça
eu não estaria mais no banco dos réus
(como a sociedade aviltada pelas humilhações quotidianas)
e cada um dos meus pares
– esses cadáveres adiados em seus currais de vidro –
não venderia as férias para viver o amanhã.

Fonte: poema publicado aqui com o devido consentimento do autor, a quem agradeço pela cortesia.

18 janeiro 2007

Canto para García Lorca

Murilo Mendes

Não basta o sopro do vento
Nas oliveiras desertas,
O lamento de água oculta
Nos pátios da Andaluzia.

Trago-te o canto poroso,
O lamento consciente
Da palavra à outra palavra
Que fundaste com rigor.

O lamento substantivo
Sem ponto de exclamação:
Diverso do rito antigo,
Une a aridez ao fervor,
Recordando que soubeste
Defrontar a morte seca
Vinda no gume certeiro
Da espada silenciosa
Fazendo irromper o jacto

De vermelho: cor de mito
Criado com a força humana
Em que sonho e realidade
Ajustam seu contraponto.

Consolo-me da tua morte.
Que ela nos elucidou
Tua linguagem corporal
Onde el duende é alimentado
Pelo sal da inteligência,
Onde Espanha é calculada
Em número, peso e medida.

Fonte: Mendes, M. 2001. Tempo espanhol. RJ, Record. Obra originalmente publicada em 1959. Poemas de García Lorca já foram publicados neste blogue; ver, por exemplo, aqui.

A day in the life

John Lennon & Paul McCartney

I read the news today oh boy

About a lucky man who made the grade

And though the news was rather sad

Well I just had to laugh

I saw the photograph.

He blew his mind out in a car

He didn’t notice that the lights had changed

A crowd of people stood and stared

They’d seen his face before

Nobody was really sure

If he was from the House of Lords.

I saw a film today oh boy

The English Army had just won the war

A crowd of people turned away

But I just had to look

Having read the book.

I’d love to turn you on.

Woke up, fell out of bed

Dragged a comb across my head

Found my way downstairs and drank a cup,

And looking up I noticed I was late.

Found my coat and grabbed my hat

Made the bus in seconds flat

Found my way upstairs and had a smoke,

Somebody spoke and I went into a dream.

I read the news today oh boy

Four thousand holes in Blackburn, Lancashire

And though the holes were rather small

They had to count them all

Now they know how many holes it takes to fill the Albert Hall.

I’d love to turn you on.

Fonte: capa do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles.

17 janeiro 2007

Réquiem

Bárbara Lia

Acreditava que eram assinalados.
Asas invisíveis.
Halos transparentes de translúcida luz.
A espada – lapiseira grafite número cinco.
Em muros escreviam de forma arcaica,
Redondas letras apinhadas em versos.
Filósofos, deuses, anjos perdidos.
Caminhavam em calçadas íngremes.
Coração em sorrateiras nuvens.
Extraviada do passado,
Seguia os poetas.
Prevendo – os anjos.
Prevendo – os deuses.
Não reconheci a porção humana.
De carne e mágoa.
Nem a aura triste
Do século das hecatombes.
Cada paixão – pedra.
Decepções empilhadas – um túmulo.
A lápide – um manual de sepultar o coração.
Meu livro seria sal
Se narrasse as mágoas
Punhais no peito
Cravados por anjos.
De olhos cinzas,
Verdes e negros.
“color de té”, como diria Neruda.
“color de adiós”

Já não cantava
As violetas na tarde,
Rubros amanheceres.
A aproximação de Marte.
Riso-sol de meninos.
Despida de sonhos e sandálias
Cruzei vales, desertos e pontes.
Ancorei na praia
Com areia de mármore.
Tarde cinza.
Mar!
Certeza azul:
O poeta é mar!
Reflexo dos céus.
Inconstante.
Não sabe se vai ou fica
E violenta a areia
Em eternas ondas.
Esconde sua beleza
Em um verde colérico.
Em maremotos.
Extensão serena ou triste.
Plácido ou rancoroso.
A música e a ardência de sal
Tudo esconde...
Abismos de luz.

Algas e pérolas.
Diante do sol e sal.
Abracei cada amante antigo,
Suas almas-abismos-de-cores.
E sepultei, na areia, as dores.
Abri asas – fênix.
Todo poeta-mar
Necessita de uma ave
Que deslize suas asas em riste
E o toque com ternura de espumas.
A canção ecoa, ruge, alça nuvens.
Alcança a alada poeta
Em liberdade no azul sereno.
Assim nascem os poemas
Na abstração
Na ausência
Na doçura de asas roçando espumas.
O poeta-mar inquieto
Ninguém domina
Mas, sua alma sonha
Mulheres aladas
Soltas na correnteza
Do vento,
Flanando livres
Entre as nuvens.

Fonte: poema publicado na revista literária Ontem choveu no futuro (2005) e republicado aqui com o devido consentimento da autora, a quem agradeço pela cortesia.

16 janeiro 2007

Suspenso pelas costelas


William Blake (1757-1827). A negro hung alive by the ribs to a gallows
. 1792.

Fonte da foto: Wikipedia.

15 janeiro 2007

Os livros tornam-se públicos

Daniel J. Boorstin

No número crescente de universidades medievais havia poucas bibliotecas institucionais, mas os professores continuavam a precisar de livros. Era possível obtê-los de mercadores de livros itinerantes, fonte pouco merecedora de confinça sobre a qual os professores não tinham nenhum controle. Alugar manuais, geralmente mediante um preço fixo por caderno, era um privilégio valioso que podia enriquecer a universidade e proibir a circulação de textos heréticos. O catálogo mais antigo da Universidade de Paris, de 1286, enumera uns 138 títulos diferentes para alugar. Em Bolonha e noutros lugares, era exigido a cada professor que fornecesse ao “estacionário” da universidade uma cópia das suas lições, para poderem ser transcritas e alugadas ou vendidas. Chamava-se-lhe “estacionário” simplesmente porque, ao contrário dos mercadores de livros itinerantes, permanecia num lugar. Os mercadores ainda negociavam em livros proibidos, e foram eles que possibilitaram a grande circulação das traduções proibidas da Bíblia que John Wycliffe fez para inglês. Mas o “estacionário” continuou durante muito tempo a ser a fonte autorizada de fornecimento de manuais e material de escrita, e operou também como biblioteca circulante.
(...)

Então, quando a própria imprensa se tornou uma instituição estabelecida, os impressores organizaram as suas guildas e tentaram limitar as edições, a fim de manterem a estabilidade dos postos de trabalho. Em Inglaterra, um decreto da Câmara Estrelada de 1587 limitava as edições a 1.250 exemplares, apenas com algumas, poucas, excepções. Mais ou menos por essa altura, a própria Stationer’s Company limitava as edições a 1.500 exemplares, tendo como única excepção obras como gramáticas, livros de orações, estatutos e proclamações, calendários e almanaques. Na Europa, durante os séculos 17 e 18, uma primeira edição só excedia os 2.000 exemplares quando se tratava de bíblias e obras de uma popularidade invulgar, como Le siècle de Louis XIV, de Voltaire, ou a Enciclopédie, de Diderot.
(...)

[O filósofo alemão] Leibniz foi um marco da transição das coleções reais e eclesiásticas destinadas à minoria privilegiada para a biblioteca pública ao serviço de todos. No século seguinte, as suas visões seriam concretizadas na surpreendente carreira do imigrante italiano Sir Anthony Panizzi (1797-1879), nacionalista italiano apaixonado e enérgico homem de acção. Forçado a fugir da sua Brescello natal, no ducado de Modena, onde aderira a uma sociedade secreta que conspirava contra os ocupantes austríacos, fora condenado à morte à revelia. Encontrou refúgio em Inglaterra, onde foi nomeado primeiro professor de Literatura Italiana da Universidade de Londres. Como não aparecessem estudantes, abandonou o cargo honorífico para se integrar nos quadros do Museu Britânico em 1831. Nos 35 anos seguintes, dominou e revigorou esse lugar para fazer dele o modelo de uma biblioteca nacional no estilo moderno, indo ao encontro do público leitor.
(...)

Fonte: Boorstin, D. 1989. Os descobridores, 2a edição. RJ, Civilização Brasileira.

14 janeiro 2007

O crespúculo sertanejo

Castro Alves

A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.

A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.

A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro...
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.

Sussurro profundo! Marulho gigante!
Talvez um – silêncio!... Talvez uma – orquestra...

Da folha, do cálix, das asas, do inseto...
Do átomo – à estrela... do verme – à floresta!...

As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas, – da brisa ao açoite –;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co'as penas da noite!

Somente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos enormes daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos — um touro selvagem.

Então as marrecas, em torno boiando,
O vôo encurvavam medrosas, à toa...
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Fonte: Alves, C. 1990. Poemas, 8a edição. RJ, Agir. Poema originalmente publicado em livro póstumo, A cachoeira de Paulo Afonso, de1876.

13 janeiro 2007

O vendedor de sonhos

Fernando Brant

Vendedor de sonhos
tenho a profissão viajante
de caixeiro que traz na bagagem
repertório de vida e canções

E de esperança
mais teimoso que uma criança
eu invado os quartos, as salas
as janelas e os corações

Frases eu invento
elas voam sem rumo no vento
procurando lugar e momento
onde alguém também queira cantá-las

Vendo os meus sonhos
e em troca da fé ambulante
quero ter no final da viagem
um caminho de pedra feliz

Tantos anos contando a hitória
de amor ao lugar que nasci
tantos anos cantando meu tempo
minha gente de fé me sorri
tantos anos de voz nas estradas
tantos sonhos que eu já vivi

Fonte: encarte que acompanho o LP do álbum Yauaretê (1987), de Milton Nascimento.

12 janeiro 2007

Hora grave

Rainer Maria Rilke

Quem chora agora em algum lugar do mundo,
sem razão chora no mundo,
chora por mim.

Quem ri agora em algum lugar da noite,
sem razão se ri na noite,
ri-se de mim.

Quem anda agora em algum lugar do mundo,
sem razão anda no mundo,
vem a mim.

Quem morre agora em algum lugar do mundo,
sem razão morre no mundo,
olha para mim.

Fonte: Rilke, R. M. 1993. Poemas. SP, Companhia das Letras.

Três meses no ar e (quase) duas mil visitas

F. Ponce de León

Nesta sexta-feira (12/1), o Poesia contra a guerra completa exatos três meses no ar. O contador instalado no blogue assinala que estamos às vésperas de atingir a marca de duas mil visitas. (No fim do expediente de ontem, 1.913 visitas haviam sido registradas.)

Ao longo desse terceiro mês, foram publicados aqui pela primeira textos dos seguintes autores: A. K. Dewdney, Ademir Antônio Bacca, Alphonsus de Guimaraens, Arnold J. Toynbee, Augusto dos Anjos,
Cláudio Lucci, Dewey Bunnell, Florbela Espanca, Gildo Magalhães, Graham Nash, James Taylor, Jorge de Lima, Jorge de Sena, Luiz Alberto Machado, Mário Quintana, Miguel de Cervantes, Othon M. Garcia, Paul K. Feyerabend, Paul Simon, Phil Collins, Ruy Guerra, Silvia Rubião, Steve Hackett, Tomás Antônio Gonzaga, Uwe Kraemer, Virna Teixeira, Viviane Forrester e William Carlos Williams.

Isso tudo além de textos de autores que já haviam sido publicados nos meses anteriores. Cabe registrar ainda a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Caravaggio, Frida Kahlo, Henri Rousseau, Leonardo da Vinci, Pieter Bruegel, Rafael e Sandro Botticelli.

Dois comentários finais sobre a visitação: foram necessários 51 dias para atingir a marca do primeiro milhar de visitas (ver Mil visitas), enquanto serão necessários – ao que tudo indica – pouco mais de 40 dias para completar o segundo. Houve, portanto, aumento no ritmo de visitação: a média diária subiu de menos de 20 para quase 25 visitas/dia. O recorde positivo de visitantes únicos em um só dia continua sendo de 52 (em 11/12), mas temos agora um novo recorde negativo: em 25/12, foram apenas seis visitantes.

11 janeiro 2007

Auto-retrato


Frida Kahlo (1907-1954). Self-portrait. 1940.

Fonte da foto: Olga's Gallery.

Ballad of a thin man

Bob Dylan

You walk into the room

With your pencil in your hand

You see somebody naked

And you say, “Who is that man?”

You try so hard

But you don’t understand

Just what you’ll say

When you get home


Because something is happening here

But you don’t know what it is

Do you, Mister Jones?


You raise up your head

And you ask, “Is this where it is?”

And somebody points to you and says

“It’s his”

And you say, “What’s mine?”

And somebody else says, “Where what is?”

And you say, “Oh my God

Am I here all alone?”


Because...


You hand in your ticket

And you go watch the geek

Who immediately walks up to you

When he hears you speak

And says, “How does it feel

To be such a freak?”

And you say, “Impossible”

As he hands you a bone


Because...


You have many contacts

Among the lumberjacks

To get you facts

When someone attacks your imagination

But nobody has any respect

Anyway they already expect you

To just give a check

To tax-deductible charity organizations


You’ve been with the professors

And they’ve all liked your looks

With great lawyers you have

Discussed lepers and crooks

You’ve been through all of

F. Scott Fitzgerald’s books

You’re very well read

It’s well known


Because...

Well, the sword swallower, he comes up to you

And then he kneels

He crosses himself

And then he clicks his high heels

And without further notice

He asks you how it feels

And he says, “Here is your throat back

Thanks for the loan”


Because...


Now you see this one-eyed midget

Shouting the word “NOW”

And you say, “For what reason?”

And he says, “How?”

And you say, “What does this mean?”

And he screams back, “You’re a cow

Give me some milk

Or else go home”


Because...


Well, you walk into the room

Like a camel and then you frown

You put your eyes in your pocket

And your nose on the ground

There ought to be a law

Against you comin’ around

You should be made

To wear earphones


Because...


Fontes: álbum Highway 61 revisited (1965), de Bob Dylan, e o livro A estrada revisitada (1992, Iglu Editora), de Isabel Bing.

10 janeiro 2007

Guerra

Augusto dos Anjos

Guerra é esforço, é inquietude, é ânsia, é transporte...
É a dramatização sangrenta e dura
Da avidez com que o Espírito procura
Ser perfeito, ser máximo, ser forte!

É a Subconsciência que se transfigura
Em volição conflagradora... É a coorte
Das raças todas, que se entrega à morte
Para a felicidade da Criatura!

É a obsessão de ver sangue, é o instinto horrendo
De subir, na ordem cósmica, descendo
À irracionalidade primitiva...

É a Natureza que, no seu arcano,
Precisa de encharcar-se em sangue humano
Para mostrar aos homens que está viva!

Fonte: Anjos, A. 2004. Eu e outras poesias, 46a edição. RJ, Bertrand. A primeira edição do livro foi publicada em 1912.

Homenagem a Tomas António Gonzaga

Jorge de Sena

Gonzaga: podias não ter dito mais nada,
não ter escrito senão insuportáveis versos
de um árcade pedante, numa língua bífida
para o coloquial e o latim às avessas.

Mas uma vez disseste:
eu tenho um coração maior que o mundo”.
Pouco importa em que circunstâncias o disseste:

Um coração maior que o mundo –
uma das mais raras coisas
que um poeta disse.

Talvez que a tenhas copiado
de algum velho clássico. Mas como
a tu disseste, Gonzaga! Por certo

que o teu coração era maior que o mundo:
nem pátrias nem Marílias te bastavam.

(Ainda que em Moçambique, como Rimbaud na Etiópia,
engordasses depois vendendo escravos.)

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1969.

09 janeiro 2007

Mucuripe

Belchior

As velas do Mucuripe
vão sair para pescar
Vou mandar as minhas mágoas
pras águas fundas do mar
Hoje à noite namorar
sem ter medo da saudade
sem vontade de casar

Calça nova de riscado
Paletó de linho branco
que, até o mês passado,
lá no campo ainda era flor
Sob o meu chapéu quebrado,
o sorriso ingênuo e franco
de um rapaz novo, encantado
com vinte anos de amor

Aquela estrela é bela
Vida-vento-vela leva-me daqui

Fonte: álbum Manera Fru Fru manera (1973), de Fagner.

08 janeiro 2007

20.000 léguas matemáticas

A. K. Dewdney

(...)
Da janela da sala de embarque posso ver nosso próximo avião. Com toda a reluzente beleza exigida pelos vôos supersônicos, ele é um símbolo da tecnologia no final do século 20. Essa tecnologia, relembro a mim mesmo, depende quase inteiramente da ciência, e a ciência – em especial a ciência física – depende quase inteiramente da matemática. É como se eu fosse voar para Atenas pelo simples poder da matemática. As pás das turbinas girarão em círculos, a força de retropulsão da descarga a jato produzirá um impulso igual e contrário para frente, os componente da estrutura metálica resistirão à tensão proporcionalmente a seus cortes transversos e o fino ar da estratosfera deslizará sobre asas matematicamente otimizadas para promover a elevação, igualando exatamente a gravidade.

Em parte, lembro a mim mesmo, é disso que se trata nesta viagem: do poder da matemática, de sua espantosa aplicabilidade na ciência e na tecnologia. O vôo vindouro é apenas o primeiro passo numa longa viagem. Tenho compromissos marcados na Turquia, na Jordânia, na Itália e na Inglaterra, para me encontrar com diversos pensadores, alguns eminentes, alguns desconhecidos. Espero que eles lançem um pouco de luz sobre a questão que estou examinando: qual é a verdadeira natureza da matemática.

Trata-se de uma questão desoladoramente vaga, é claro, mas pensei em duas perguntas mais explicitamente focalizadas, as quais, se respondidas, muito contribuirão para resolver a primeira:
1. Por que a matemática é tão incrivelmente útil nas ciências naturais?
2. A matemática é descoberta ou é criada?

Não consigo escapar à sensação de que essas duas perguntas estão relacionadas, talvez muito de perto. O modo exato como se relacionam, entretanto, não sei dizer. Responder a essas duas perguntas e, com um pouco de sorte, compreender de que modo elas se relacionam constituem o objetivo de minha busca.
(...)

Dewdney, A. K. 2000. 20.000 léguas matemáticas. RJ, Jorge Zahar.

07 janeiro 2007

Marília de Dirceu

Tomás Antônio Gonzaga

(...)
Esprema a vil calúnia, muito embora
entre as mãos denegridas e insolentes
os venenos das plantas
e das bravas serpentes;

Chovam raios e raios, no meu rosto
não hás de ver, Marília, o medo escrito,
e medo perturbado,
que infunde o vil delito.

Podem muito, conheço, podem muito,
as fúrias infernais, que Pluto move;
mas pode mais que todas
um dedo só de Jove.

Este deus converteu em flor mimosa,
a quem seu nome deram, a Narciso;
fez de muitos os astros,
qu’inda no céu diviso.

Ele pode livrar-me das injúrias
do néscio, do atrevido, ingrato povo;
em nova flor mudar-me,
mudar-me em astro novo.

Porém se os justos céus, por fins ocultos,
em tão tirano mal me não socorrem;
verás então, que os sábios,
bem como vivem, morrem.

Eu tenho um coração maior que o mundo,
tu, formosa Marília, bem o sabes:
um coração..., e basta,
onde tu mesma cabes.
(...)

Fonte: Gonzaga, T. A. 2000. Tomás Antônio Gonzaga, 4a edição RJ, Agir. Trecho referido como Lira II, da Parte II.

06 janeiro 2007

Charneca em flor

Florbela Espanca

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Sóror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

Fonte: Espanca, F. 1996. Poemas de Florbela Espanca. SP, Martins Fontes. Poema originalmente publicado em 1931.


No more cane on the Brazos

Tradicional americana

There ain’t no more cane on the Brazos

They ground it all up in molasses

Captain don’t you do me like you done your poor shine

Well they drove that poor Billy ’til he went stone blind


You want to come on the river in 1904

You could find many dead men on most every road

If you going on the river in 1910

They was driving the women like they drive the men


Why don’t you rise up you dead men

Help me drive my road


Well there’s some in the building

And there’s some in the yard

There’s some in the graveyard

And there’s some going home


Why don’t you wake up your people

And lift up your heads

You may get your pardon

But you may end up dead


Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Naked thunder (1991), de Ian Gillan. Existem outras versões e algumas polêmicas em torno dessa canção, a começar pelo título.

05 janeiro 2007

Ceia em Emaús


Caravaggio (1571-1610). Supper at Emmaus. Circa 1600-1.

Fonte da foto: WebMuseum.

O mundo do menino impossível

Jorge de Lima

Fim da tarde, boquinha da noite
com as primeiras estrelas
e os derradeiros sinos.

Entre as estrelas e lá detrás da igreja
surge a lua cheia
para chorar com os poetas.

E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:
o sol e os meninos.

Mas ainda vela
o menino impossível
aí do lado
enquanto todas as crianças mansas
dormem
acalentadas
por Mãe-negra Noite.
O menino impossível
que destruiu
os brinquedos perfeitos
que os vovós lhe deram:
o urso de Nürnberg,
o velho barbado jagoeslavo,
as poupées de Paris aux
cheveux crêpes,
o carrinho português
feito de folha-de-flandres,
a caixa de música checoeslovaca,
o polichinelo italiano
made in England,
o trem de ferro de U. S. A.
e o macaco brasileiro
de Buenos Aires

moviendo da cola y la cabeza.


O menino impossível
que destruiu até
os soldados de chumbo de Moscou
e furou os olhos de um Papai Noel,
brinca com sabugos de milho,
caixas vazias,
tacos de pau,
pedrinhas brancas do rio...

“Faz de conta que os sabugos
são bois...”
“Faz de conta...”
“Faz de conta...”
E os sabugos de milho
mugem como bois de verdade...

e os tacos que deveriam ser
soldadinhos de chumbo são
cangaceiros de chapéus de couro...

E as pedrinhas balem!
Coitadinhas das ovelhas mansas
longe das mães
presas nos currais de papelão!

É boquinha da noite
no mundo que o menino impossível
povoou sozinho!

A mamãe cochila.
O papai cabeceia.
O relógio badala.

E vem descendo
uma noite encantada
da lâmpada que expira
lentamente
na parede da sala...

O menino pousa a testa
e sonha dentro da noite quieta
da lâmpada apagada
com o mundo maravilhoso
que ele tirou do nada...

Chô! Chô! Pavão!
Sai de cima do telhado
Deixa o menino dormir
Seu soninho sossegado!

Fonte: Lima, J. 1997. Jorge de Lima: poesia, 5a edição. RJ, Agir. Poema originalmente publicado em 1927.

04 janeiro 2007

O vento

Mario Quintana

O vento é um inveterado ledor de tabuletas. E, com toda aquela sua pressa, é exatamente o contrário do leitor apressado: não salta uma só que seja, não perde nenhuma delas, lê e passa – que o seu destino é passar – mas guarda uma lembrança vertiginosa de todas, principalmente das verdes, das vermelhas, das de azul mais forte, sem esquecer, ó Van Gogh, as tabuletas amarelas.

Sabes? Passa no vento a alma dos pintores mortos, procurando captar, levar (para onde?) as cores deste mundo.

Que este mundo pode ser que não preste, mas é tão bom de ver!

Fonte: Quintana, M. 2006. O caderno H, 2a edição. SP, Globo. Obra originalmente publicada em 1973.

E daí?

Ruy Guerra

Tenho nos olhos quimeras
com brilho de trinta velas
Do sexo pulam sementes
explodindo locomotivas
Tenho os intestinos roucos
num rosário de lombrigas
Os meus músculos são poucos
pra essa rede de intrigas
Meus gritos afro-latinos
implodem, rasgam, esganam
E nos meus dedos dormidos
a lua das unhas ganem
E daí?

Meu sangue de mangue sujo
sobe a custo, a contragosto
E tudo aquilo que fujo
tirou prêmio, aval e posto
Entre hinos e chicanas
entre dentes, entre dedos
No meio destas bananas
os meus ódios e os meus medos
E daí?

Iguarias na baixela
vinhos finos nesse odre
E nessa dor que me pela
só meu ódio não é podre
Tenho séculos de espera
nas contas da minha costela
Tenho nos olhos quimeras
com brilho de trinta velas
E daí?

Fonte: encarte que acompanha os LPs do álbum duplo Clube da esquina 2 (1978), de Milton Nascimento.

03 janeiro 2007

Old Friends

Paul Simon

Old Friends,

Old Friends

Sat on their park bench

Like bookends.

A newspaper blown though the grass

Falls on the round toes

Of the high shoes

Of the Old Friends.


Old Friends,

Winter companions,

The old men

Lost in their overcoats,

Waiting for the sun.

The sounds of the city,

Sifting through trees,

Settle like dust

On the shoulders

Of the Old Friends.


Can you imagine us

Years from today,

Sharing a park bench quietly?

How terribly strange

To be seventy.


Old Friends,

Memory brushes the same years.

Silently sharing the same fears.


Time it was and what a time it was,

It was a time of innocence,

A time of confidences.

Long ago it must be,

I have a photograph,

Preserve your memories,

They’re all that’s left you.


Fonte: encarte que acompanha os LPs do álbum duplo The concert in Central Park (1981), de Simon & Garfunkel. Canção originalmente gravada em 1968.

02 janeiro 2007

Autopsicografia

Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fonte: Pessoa, F. 1980. O Eu profundo e outros Eus, 21a edição. RJ, Nova Fronteira.

Colagem

Cláudio Lucci

Se você com muita calma usar sua raça
vai surpreender
A surpresa para muitos é uma arma
pra se esconder
Se esconder não é tão bom
pra viver, pra morrer

Se você lembrar que tudo é relativo
vai compreender
Mas a compreensão por vezes tão sensata
vai lhe conter
Se conter não é tão bom
pra viver, pra morrer

Se você tentar despir essa colagem
vai se perder
E a perda de si próprio é quase um passo
pra conceder
Conceder não é tão bom
pra viver, pra morrer, pra nascer

Somos homens sem lugar
homens velhos com raça
à espera de algum descuido
e com cuidado gozamos paz

Somos homens bons demais
sufocados pelo mal
só queremos acreditar
que isso tudo pode acabar

Fonte: álbum Elis (1977), de Elis Regina.

01 janeiro 2007

Ano Novo

Poh Pin Chin

Ontem à noite,
depois de ver teu
rosto combinar
com a palidez do
vestido, voltei
sozinho e a pé para

casa. Acariciei
gotas de chuva e
algumas pedras
tortas que encontrei
pelo caminho, mas
não foi preciso contar

estrelas no céu
ou grãos de areia
esparramados pelo
chão para saber
quanto tempo serei
capaz de esperar até

sentir novamente a
ponta de teus dedos
tocar a minha
pele manchada e
secar de vez a ferida
dos meus ossos... Só

não demores muito
mais do que isso –
ao contrário de você,
não estarei aqui
para sempre: gritando
para a Lua ou

lutando contra o
Sol; sentindo frio e
calor e o vento forte
que bate na testa e
empurra essa poeira
para dentro dos olhos.

(Dedicado a M. E.)

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