08 novembro 2006

Esquemas detalhados, letras emprestadas

Jared Diamond

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Inventar um sistema de escrita a partir do nada deve ter sido incomparavelmente mais difícil do que tomar emprestado um e adaptá-lo. [...]


A invenção independente que podemos reconstruir com mais detalhes é o sistema de escrita mais antigo da história: a escrita cuneiforme suméria (...). Durante milhares de anos antes de sua consolidação, os habitantes de algumas aldeias agrícolas do Crescente Fértil usavam símbolos feitos de argila em várias formas simples para contabilizar o número de ovelhas e a quantidade de grãos. Nos últimos séculos antes de 3.000 a.C., o avanço das técnicas, do formato e dos sinais contábeis conduziram rapidamente ao primeiro sistema da escrita. Uma inovação tecnológica foi o uso das tábuas de argila como uma superfície adequada à escrita. Inicialmente, a argila era arranhada com ferramentas pontiagudas, que aos poucos foram sendo substituídas por estiletes de caniço por imprimirem marcas mais nítidas na tábua. O aperfeiçoamento do formato incluiu a adução progressiva de convenções cuja necessidade é agora aceita universalmente: que a escrita fosse disposta em linhas ou colunas (linhas para os sumérios, assim como para os europeus modernos); que as linhas fossem lidas sempre na mesma direção (da esquerda para a direita para os sumérios, como para os europeus modernos); e que as linhas da tábula fossem lidas de cima para baixo e não ao contrário.


Mas a mudança crucial envolvia a solução do problema básico de quase todos os sistemas de escrita: como criar marcas visíveis aceitas por todos que representem os sons articulados reais, e não apenas conceitos ou palavras independentes de sua pronúncia. Estágios iniciais do desenvolvimento da solução foram detectados em milhares de placa de argila desenterradas nas ruínas da antiga cidade suméria de Uruk, no rio Eufrates, cerca de 320 quilômetros a sudeste da atual Bagdá. Os primeiros símbolos gráficos sumérios eram figuras representativas de objetos (por exemplo, a figura de um peixe ou de um pássaro). Naturalmente, esses sinais pictóricos eram sobretudo numerais, além de nomes de objetos visíveis; os textos resultantes eram meros relatórios contábeis numa escrita telegráfica destituída de elementos gramaticais. Aos poucos, as formas dos sinais foram se estilizando, principalmente quando as ferramentas pontiagudas foram substituídas pelos estilete de caniço. Novos sinais foram criados em combinação com os antigos para produzir novos significados: por exemplo, o símbolo para cabeça foi combinado com o símbolo de pão para produzir um sinal que significava comer.

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Fonte: Diamond, J. 2003. Armas, germes e aço. RJ, Record.


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