28 outubro 2006

Um (outro) fim de tarde no Paraíso

F. Ponce de León

Sábado de céu azul, com poucas nuvens, após uma semana de tempo nublado. Estamos na primeira metade da primavera e, embora a estação das chuvas ainda não tenha chegado para valer, a terra não está tão seca como estava no fim do inverno. Sol quente e umidade, eis a receita para um crescimento vigoroso: folhas novas surgem de um dia para o outro e sementes adormecidas logo germinam.

As primeiras chuvas da primavera lavam a vegetação, removendo a camada marrom de poeira que cobria a folhagem, principalmente aquela que margeia as estradas mais movimentadas. É um banho revigorante, durante o qual todos os personagens – árvores, arbustos, trepadeiras, ervas miúdas – que atravessaram o inverno sem perder as folhas parecem se esbaldar.

Nessa época do ano, a trilha sonora produzida por um emaranhado de grilos, cigarras, rãs e aves interdependentes ganha timbres ainda mais nítidos, principalmente à noite. É também quando colunas cada vez mais numerosas de vagalumes saem em revoadas noturnas, pontilhando e iluminando o céu. Em noites de céu claro, é fácil confundir vagalumes com estrelas da Via Láctea.

Faltam algumas horas para escurecer e a trilha sonora que ouvimos agora é outra: o cocoricó de galos – o nosso e o de alguns vizinhos, ao longe – e as notas que saem das teclas de um piano, embalando a todos aqui em casa. São os dedinhos de anjo de Alicia de Larrocha, traduzindo para nossos ouvidos a caligrafia serena de Schubert.

Ouvindo a música e vendo o jogo de sol e sombras em volta da casa, fico a imaginar que uma rajada mais forte de vento – como aquela que passou por aqui ontem à tarde – virá daqui a pouco e nos levará para cima... Um vôo por sobre o cafezal e a floresta logo adiante, subindo as montanhas. Lá de cima, acenamos para os vizinhos e dizemos adeus a um país de trilha sonora decadente e desafinada.

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