17 outubro 2006

A angústia da influência científica

John Horgan

Ao tentar compreender o ânimo dos cientistas modernos, descobri que as idéias da crítica literária tinham, afinal, alguma serventia. Em seu interessante ensaio de 1973, A angústia da influência, Harold Bloom equiparou o poeta moderno a Satã no Paraíso perdido de Milton. Assim como Satã lutava para afirmar sua individualidade desafiando a perfeição de Deus, da mesma forma o poeta moderno deve travar uma luta edípica para se definir em relação a Shakespeare, Dante e outros mestres. Em última análise, a tentativa é vã, segundo Bloom, porque nenhum poeta pode ter a esperança de se aproximar da perfeição de tais antepassados, quanto mais de superá-los. Os poetas modernos são figuras essencialmente trágicas, retardatárias.

Os cientistas modernos também são retardatários, e sua carga é muito mais pesada do que a dos poetas. Os cientistas não têm que aturar apenas o Rei Lear de Shakespeare, mas também as leis do movimento de Newton, a teoria da seleção natural de Darwin e a teoria da relatividade geral de Einstein. Essas teorias não são apenas belas; são também verdadeiras, como nenhuma obra de arte consegue ser. A maioria dos pesquisadores simplesmente admite sua incapacidade de superar o que Bloom chamava “os embaraços de uma tradição que se tornou demasiado rica para precisar de algo mais”. (...) Outros se tornam o que Bloom, zombando, classificou de “simples rebelde, iconoclasta infantil das categorias morais convencionais”. Os rebeldes denigrem as teorias dominantes da ciência, considerando-as fabricações sociais inconsistentes, e não descrições rigorosamente testadas da natureza.

Os “poetas fortes” de Bloom aceitam a perfeição de seus predecessores e, ainda assim, lutam para transcendê-la por meio de vários subterfúgios, inclusive uma sutil interpretação errônea da obra deles; só desse modo os poetas modernos se libertam da influência estultificante do passado. Da mesma forma, há cientistas fortes, que buscam interpretar erroneamente e, portanto, transcender a mecânica quântica, a teoria do big bang ou a evolução de Darwin.

Fonte: Horgan, J. 1998. O fim da ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento científico. SP, Companhia das Letras.


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